Carlos Braga diz que estava a deitar 80% do que pescava ao mar que assim não ganha para pagar as despesas.
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Nos primeiros dias de dezembro, Carlos Braga viu o que nunca julgou ser possível: barcos a deitar toneladas de sardinha fora. O cabaz (22,5 quilos) estava a ser vendido a 14,60 euros, 65 cêntimos o quilo, e quando havia quem a quisesse. O mestre do "José Dinis" foi um dos que encostaram o barco ao cais. Garante que não falta sardinha no mar, falta é quem a queira comprar.
"Em 100 toneladas, 80 deitávamos ao mar. Estávamos a deitar fora 80% do que pescávamos. Não havia quem comprasse", conta. Quando aparecia comprador, no máximo, vendia-se sardinha a 65 cêntimos o quilo. Com nove tripulantes, o barco de 13 metros, que pesca, habitualmente, ao largo de Matosinhos, "não estava a faturar para pagar as despesas". Só em gasóleo vão 1600 euros por semana. Junta-se o gelo. "Não dava!", assegura o mestre.
O problema, garante, não é a falta de sardinha: "Sardinha há e muita. Pela primeira vez, vi três desovas num ano. Em junho, já havia sardinha de 12 centímetros, gorda; em agosto, voltei a ver sardinha do mesmo tamanho e, agora, em outubro/novembro, outra vez. Não é ela que não cresce. São várias desovas".
Carlos Braga é cuidadoso, como diz serem a maioria dos homens do mar. Também ele quer que o recurso dure "por muitos e bons anos". Por isso mesmo, reconhece, "em 2011, batemos no fundo. Se não tivéssemos posto restrições, nunca mais tínhamos levantado a cabeça". Agora, "os limites esmifrados de quota já não se justificam".
Em 2022, a safra da sardinha começou a 1 de maio. O arranque foi a medo com limites diários de captura de 140 cabazes. As vendas correram dentro do esperado. Nos santos populares - em especial, no S. João, para o Norte -, o cabaz chegou aos 50 euros, embora o preço médio tenha andado entre os 22 e os 24 euros ("bem longe dos 400 de 2018!"). Ainda assim, com mais fartura, diz Carlos Braga, "já era esperado".
No verão, a restauração absorveu grande parte das capturas e o preço médio ficou nos 1,28 euros/kg (até setembro), mas, passado o calor e a época da sardinha assada, faltaram os compradores e o preço desceu para metade.
"Não culpo as conserveiras. Quando não tínhamos sardinha, elas tiveram que se virar", explica o mestre do "José Dinis", que até vende parte da pescaria à centenária Ramirez.
"Começamos com 140 cabazes. Agora que não há quem a compre, aumentaram para 200. Não faz sentido!", reclama Carlos Braga, apelando a que, no próximo ano, a quota possa ser "mais bem distribuída", aumentando-se as capturas nos meses de verão.
Agora, o "José Dinis" está parado. Ele e os cerca de 35 barcos que trabalham na lota de Matosinhos. A 8 de janeiro regressará ao mar, à pesca do biqueirão e à espera de melhores dias.