Explicações que não foram dadas e perguntas que não obtiveram resposta. Duas notas que marcaram o debate quinzenal de ontem, no Parlamento, do qual resultou apenas uma certeza: Sócrates, afinal, nunca pensou demitir-se. Apesar de o ter dito, há dias.
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"Nunca virei a cara à luta e nunca me passou pela cabeça qualquer intenção de me ir embora."
Estas palavras, que foram uma resposta a Paulo Portas que lembrou ter desafiado o primeiro-ministro a demitir-se no debate do estado da Nação em Julho, contrariam a ameaça que fez publicamente na semana passada, quando disse que não teria condições para governar se o Orçamento do Estado (OE) não fosse aprovado.
Esta aparente contradição levou fonte do gabinete do primeiro-ministro a reafirmar que a ameaça de demissão se mantém e que as declarações apenas se ref-eriam ao passado.
Um dia depois de ter apresentado as linhas gerais do OE para o próximo ano, recheadas de austeridade e de cortes na despesa, Sócrates quase nada esclareceu sobre as medidas anunciadas.
Com o ministro Teixeira dos Santos ausente, em Bruxelas, a retórica política foi a única resposta que o chefe do Governo teve na ponta da língua para (não) esclarecer as dúvidas dos deputados.
Do pingue-pongue político com a Oposição ficou claro que Sócrates elegeu o PSD como parceiro para garantir a viabilização do OE. Foi para Miguel Macedo, o líder da bancada social-democrata, que se virou para falar de "responsabilidade política".
"Não podem sequer pensar em não aprovar o Orçamento do Estado. Seria agora contra o interesse nacional."
Com esta frase, Sócrates vincou a insistência (a que se juntou Francisco Assis) em desafiar o PSD a anunciar a posição que terá em relação ao OE. Mas não conseguiu mais do que pequenos sinais que Miguel Macedo envolveu numa linguagem dura.
"No tempo próprio, quando o Governo apresentar a proposta de OE, o PSD dirá qual será o seu sentido de voto", afirmou o deputado, assegurando que dois princípios vão nortear a opção do partido. São eles: o da responsabilidade e o da coerência, "sempre em nome do interesse nacional". A seguir, recordou que o partido sempre defendeu cortes na despesa.
Quanto ao aumento de impostos, Macedo usou expressões duras para questionar o primeiro-ministro, mas na tónica da execução orçamental de 2010. Começou por acusar Sócrates de fazer um discurso próprio de alguém "politicamente inimputável".
"Até à semana passada, dizia que estava tudo bem, tudo em linha com o que estava orçamentado. O que é que correu mal?
Quantifique. O que é que falhou do lado da receita e o que falhou, em concreto, do lado da despesa?" Macedo ficou sem resposta.
Auto-elogio e submarinos
Mais à frente do debate, já confrontado pelos outros dirigentes da Oposição, Sócrates preferiu usar o tom do auto-elogio por ter tomado medidas corajosas , comparando-se a Mário Soares, que "já esteve aqui em 1977 e 1983 a ouvir o mesmo que eu ouvi".
"O pagamento dos submarinos que Paulo Portas comprou" foi a justificação que Sócrates usou para defender a necessidade da receita extraordinária resultante do fundo de pensões da PT.
Na discussão, que levou o líder do CDS-PP a lembrar que a decisão já vinha de um governo socialistas, envolveu-se Francisco Louçã que quis saber em que será aplicado o fundo da PT e lembrou "que dará para cinco submarinos".
Ainda à Esquerda, o líder do PCP contestou os cortes nos apoios sociais e nos salários na Administração Pública.
"São 90% de cortes nos rendimento do trabalho e 1% para o capital", acentuou Jerónimo de Sousa. Pelos Verdes, Heloísa Apolónia chamou a atenção para a falta de soluções para estimular a produção.
No final, Sócrates deixou claro que não conta com a Oposição de Esquerda, nem com o CDS-PP, para viabilizarem o OE.