Foi um debate "fantasmagórico", nas palavras de Louçã, mas não deixou de ser revelador da estratégia e do estado de espírito do primeiro-ministro; um "Calimero", como foi apelidado por Paulo Portas, que apostou no desafio ao PSD e a cada um dos deputados.
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Ontem, sexta-feira, de manhã, horas antes de ter sido entregue o OE, Sócrates, tal como há 15 dias, voltou a ir ao Parlamento falar da sua "dor de alma por ter de pedir sacrifícios aos portugueses" e acusar o PSD de ter ser responsável por não haver diálogo, enquanto pedia um cheque em branco para a aprovação do OE. E pediu o fim do tabu.
A resposta negativa estava na ponta da língua de Miguel Macedo, o líder parlamentar do PSD: "Nós não passamos cheques em branco. Se tem pressa em saber o sentido de voto do PSD, apresentasse o OE mais cedo". E ainda respondeu que "o tabu está na ausência de resposta do Governo sobre o que mudou em quatro meses para ter de haver mais medidas de austeridade".
A opção de Sócrates de apontar sistematicamente o dedo acusatório ao PSD, responsabilizando aquele partido pela inexistência de consenso para a viabilização do OE, está a consolidar um sinal de divergência de estratégia entre os socialistas.
A diferença de opiniões foi revelada no debate pela intervenção de Francisco Assis, o líder parlamentar do PS, que dirigiu (por duas vezes) uma pergunta clara ao primeiro-ministro: "Qual a verdadeira disponibilidade do Governo para promover o consenso e o diálogo que conduzam à viabilização do Orçamento?" .
Assis, que tal como Miguel Macedo defende que tudo deve ser feito no quadro do diálogo parlamentar para que haja OE, terá adivinhado que iria irritar Sócrates e que a resposta seria dada como foi. Ou seja, com o tom incendiário usado na véspera pelo ministro Jorge Lacão.
"Não aceito que se considere a ideia de que o Governo e o PSD estão no mesmo plano. Quem recusou o diálogo foi o PSD". Assim, Sócrates mostrou que aposta no "antes quebrar que torcer", o oposto do caminho do "bloco central", preconizado por Assis. A seguir, assegurou que o Governo garantiria que a disponibilidade do Governo se via no facto de o ministro das Finanças "estar 24 horas disponível para falar com qualquer deputado" .
"É uma disponibilidade total e sem reservas, mas tem uma condição, a de ser aprovado um Orçamento à altura dos tempos", disse e voltou a insistir na "decisão livre dos deputados". Uma aposta na divisão interna na bancada do PSD sobre o sentido de voto. Um isco lançado à pesca de votos dos "cavaquistas/ferreiristas".
O debate, que tinha sido aberto por Jerónimo de Sousa com a pergunta que os portugueses têm na boca: "Onde é que isto vai parar?", teve ainda um confronto entre Sócrates e Louçã sobre deduções fiscais.