Depois de oito anos de crescimento consecutivo, 2018 revelou-se difícil para a indústria portuguesa de calçado, cujas exportações caíram 2,65% para 1904 milhões de euros.
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A "retração do consumo na Europa" foi determinante para esta performance, reconhece a associação do setor, que lembra que a economia é feita de ciclos e que as empresas portuguesas tiveram um registo "muito idêntico ao dos seus dois grandes concorrentes, Itália e Espanha".
A verdade é que Portugal até vendeu mais pares de sapatos, mas a um preço mais baixo. Parte da explicação reside na diversificação da própria indústria e na aposta em novos materiais.
De facto, em volume, as exportações cresceram 1,54% para 84,296 milhões de pares de sapatos, segundo dados do INE publicados sexta-feira, o que significa que o preço médio do calçado exportado caiu 4,12% para 22,59 euros o par. A questão é que o calçado de couro - o que é mais valorizado e em que a indústria portuguesa sempre deu cartas no Mundo - tem vindo a perder peso. Este ano, o segmento caiu 4,15% em volume e 2,09% em valor, num total de 58,1 milhões de pares e um montante de 1671 milhões de euros.
Couro cede ao plástico
Em contrapartida, todos os outros segmentos de mercado - o calçado impermeável, em plástico ou borracha e em materiais têxteis, entre outros - estão a crescer em volume, embora nem todos em valor.
Luis Onofre, empresário e presidente da Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e Seus Sucedâneos (APICCAPS) aponta a "maior procura por materiais alternativos", tanto ao nível de preço como de qualidade, e assegura que "2018 deverá ter sido o ano em que fizemos menos sapatos em pele". Há uma substituição das peles por tecidos e das solas de couro por borrachas e materiais 100% reciclados.
Produzir para os EUA?
Uma tendência que se prende, também, com a própria moda, com as sapatilhas a assumirem um papel determinante em qualquer altura do dia, o que obrigou a indústria a posicionar-se neste segmento de mercado.
A indústria garante que está já a "fazer o trabalho de casa" para preparar "novos ciclos de crescimento", tendo reforçado os investimentos na promoção comercial externa. Só este ano são 16 milhões de euros para a participação de cerca de 190 empresas em eventos internacionais em 15 países.
Há ainda mais dois milhões para promover marcas. O projeto "Valorização da Oferta" apoiou mais de 60 empresas, designadamente ao nível da realização de campanhas de marketing digital, mas não só. A APICCAPS tem estado a contratar agências de comunicação em mercados mais relevantes, como França e Espanha, mas também nos Estados Unidos, o que já está a dar frutos.
"Estimamos que em maio entre 20 a 25 compradores americanos venham a Portugal. Vêm alguns retalhistas que nós consideramos relevantes, mas nós vamos trazer também responsáveis de grandes marcas americanas que consideram que Portugal pode ser um mercado muito interessante para a produção dos seus sapatos", diz o diretor de comunicação da associação, Paulo Gonçalves. Portugal já produz para marcas como a Ralph Lauren, a Rag & Bone ou a Tape.
MERCADOS
Estranheza com crescimento de 36% em Espanha
De entre o top 5 dos principais destinos das exportações nacionais, só o mercado espanhol está a crescer. As vendas crescem 36% em volume e 3,6% em valor: são 17,376 milhões de pares no valor de 177,260 milhões de euros. Uma performance que ninguém parece saber explicar. "A Inditex quase abandonou a produção em Portugal, tanto no têxtil como no calçado, esses são números que não se entendem", garante uma fonte contactada pelo JN/Dinheiro Vivo. A própria associação parece não ter explicação para estes dados, que estão sob escrutínio. O crescimento das importações de calçado em Portugal a partir da Turquia - em mais 125,2% - parece suportar a teoria da deslocalização da procura da Inditex, mas falta saber a quem está Portugal a fornecer calçado a um preço médio de 10,2 euros.