A Organização Mundial de Saúde estima que 50% dos doentes deixe de tomar, normalmente ao final de um ano, o tratamento prescrito pelo médico.
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Em Portugal, não há estatística sobre a dimensão do problema. Mas, diz Vitória Cunha, secretária geral da Sociedade Portuguesa de Hipertensão Arterial e do Núcleo de Estudos de Prevenção e Risco Cardiovascular da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, "andaremos por esse valor". A adesão ao tratamento é o tema do webinar que o JN emite no dia 18 março, às 17 horas, numa parceria com a farmacêutica Servier.
Eugénia Raimundo, psicóloga na área social e autora de vários projetos de comunicação entre médico e doente, pega num exemplo para retratar o problema. "Um médico escreveu na receita passada a doente: tomar 1/2 dia. Na consulta seguinte, quando perguntou se a doente estava a cumprir o que ele tinha indicado, ouviu: "Sim, tomo um num dia e dois no dia seguinte, como o senhor escreveu"". O exemplo é verdadeiro e resume, numa palavra, um dos grandes problemas da adesão ao tratamento: comunicação, ou a falta dela.
A questão é especialmente relevante nos casos das chamadas doenças silenciosas, como a hipertensão e as doenças cardiovasculares, que têm elevadas taxas de mortalidade no nosso País. E agravou-se com a pandemia: milhares de consultas ficaram para trás e o medo travou a ida aos hospitais, por muito que os sintomas o exigissem.
Inércia mútua
Mas como pode o médico ser mais eficaz, de modo a evitar o abandono precoce da medicação pelo doente? "O médico tem que empoderar o paciente, autoresponsabilizando-o", assinala Eugénia Raimundo. "Ninguém se compromete com a adesão se não conhecer os riscos da sua doença". Vitória Cunha acrescenta: "Há uma inércia mútua que urge resolver: o médico diz que não tem tempo para consultar como devia; e o doente diz que não cumpre porque não percebeu o que lhe foi dito".
É por isso que, aponta Eugénia Raimundo, é fundamental definir uma estratégia que, nos casos de doenças como a hipertensão ou cardiovasculares, "permita definir objetivos por consulta". "O problema da hipertensão, por exemplo, é demasiado complexo para que tudo possa ser abordado numa só consulta. Se isso acontecer, o doente sairá ainda mais confuso - e isso é um passo rumo ao abandono da medicação", explica a especialista.
Lançar alertas
"O doente não pode pensar que é uma pessoa distante. A relação de confiança entre médico e doente é decisiva. É verdade que, ao longo do tempo, vamos ganhando uma espécie de sexto sentido que nos permite perceber se o doente está a mentir. Mas, mesmo assim, é fundamental partilhar de forma empática as causas e os riscos da doença", refere Vitória Cunha. Eugénia Raimundo segue-a na preocupação: "O feed-back contínuo da evolução da patologia e da eficácia do tratamento é muito importante. Não basta dizer ao doente que o problema está controlado. O doente tem que estar consciente das evoluções, positivas ou negativas. Comunicar não é a mesma coisa que informar."
O tsunami provocado pela covid-19 obriga a cuidados redobrados, sobretudo nas doenças crónicas. "É fundamental lançar rapidamente o maior número de alertas possível, para que as pessoas regressem às consultas, para retirar dúvidas, para acabar com o medo da ida às urgências e para que as pessoas não deixem arrastar sintomas básicos. Sem isso, o problema da adesão ao tratamento vai agravar", conclui Vitória Cunha.