Banco tem sido condenado a indemnizar investidores enganados. Valor é superior a 2,7 milhões. Governo justifica com acordo de reprivatização.
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O Estado vai reembolsar o EuroBic por todas as indemnizações que o banco tem sido condenado pelos tribunais a pagar a ex-clientes do Banco Português de Negócios (BPN) que, há mais de 15 anos, investiram ao engano em obrigações emitidas pela Sociedade Lusa de Negócios (SLN), à data proprietária do BPN.
A obrigatoriedade foi, segundo o Ministério das Finanças, acordada no âmbito da reprivatização do BPN, nacionalizado em 2008 e alienado três anos mais tarde ao BIC, atual EuroBic (ler P&R). O valor total a pagar ao banco de capitais luso-angolanos não está quantificado, mas, só no último trimestre de 2022, o Supremo Tribunal de Justiça confirmou o ressarcimento em pelo menos 2,7 milhões de euros aos lesados do BPN.
"O Estado está obrigado a reembolsar o atual banco EuroBic, pelas despesas por si liquidadas, na execução de decisões judiciais referentes a litígios, conforme disposto no acordo quadro e no contrato de compra e venda das ações representativas da totalidade do capital social e direitos de voto do banco BPN", refere ao JN o Ministério das Finanças.
A tutela acrescenta que, "neste momento", estão a ser instruídos "os procedimentos necessários para proceder ao reembolso junto do banco EuroBic das decisões que já se tornaram definitivas", escusando-se a adiantar qual a quantia global em causa. "Não é possível indicar o montante exato que o Estado virá a reembolsar, uma vez que existe a necessidade de permitir que a Justiça aprecie cada uma das situações para aferir da ilicitude da atuação do então banco BPN", justifica.
há anos nos tribunais
As ações contra o atual EuroBic deram entrada nos tribunais cíveis a partir de 2015, quando dezenas de ex-clientes do BPN se aperceberam de que não iriam reaver a totalidade do capital que tinham aplicado, entre 2004 a 2008, em obrigações emitidas pela SLN.
Nos pedidos de indemnização, alegaram que, à data, pensaram estar a subscrever instrumentos financeiros que, apesar de serem mais rentáveis, tinham reembolso garantido e, por isso, eram tão seguros como depósitos a prazos. Só que, quando a SLN faliu, acabaram por ficar apenas com os juros auferidos, perdendo, de um dia para o outro, dezenas de milhares de euros.
Do Norte ao Sul do país, os juízes dividiram-se, com alguns a considerarem que o BPN não cumprira, aquando da subscrição dos produtos, o dever de informação, e outros a decidirem que o banco atuara de acordo com as normas. Os casos arrastaram-se de recurso em recurso, até que, em dezembro de 2021, o Supremo Tribunal de Justiça fixou, por fim, a jurisprudência a seguir nos diferendos em causa.
O acórdão entrou em vigor no outono passado e, só no último trimestre de 2022, foram proferidos, segundo um levantamento feito pelo JN a partir das decisões divulgadas online pelo próprio tribunal, 46 sentenças. Destas, 34 condenaram o EuroBic a indemnizar.
Os valores a pagar variam entre os 50 e os 350 mil euros, num total de 2,7 milhões. A este montante, há que acrescentar os juros de mora - que abarcam anos - e processos decididos noutras instâncias, não divulgados publicamente ou concluídos no futuro.
Contactado pelo JN, o EuroBic assegurou, sem mais comentários, que "cumpre na íntegra todas as decisões do tribunal, nomeadamente aquelas relativamente às quais não há apelo".
Pormenor
Jurisprudência fixada só alterou desfecho em quatro processos
A defesa de lesados do BPN temia que a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça implicasse a absolvição, em muitos casos, do EuroBic, mas tal não está, para já, a verificar-se. Ainda assim, dos cinco processos - entre os 46 analisados pelo JN - em que a decisão da instância anterior foi revertida, três traduziram-se numa vitória do banco. Os juízes conselheiros explicaram que, não tendo ficado demonstrado que os investidores não teriam subscrito as obrigações se tivessem sido devidamente informados pelo BPN, o EuroBic não pode ser obrigado a ressarcir, em forma de indemnização, a perda do capital aplicado. Já no único caso em que a decisão passou a condenação, os magistrados concluíram que aquele nexo de causalidade poderia ser deduzido de um dos factos provados. O quinto processo, relativo a 550 mil euros, foi devolvido ao Tribunal da Relação, sem decisão.
Apoios à banca
6,146 mil milhões de euros
foi quanto custou aos cofres do Estado o BPN entre 2008 e 2021, segundo um balanço efetuado pelo Tribunal de Contas no ano passado. Só é ultrapassado pelo BES/Novo Banco, com 8,291 mil milhões de euros.
22 049 mil milhões de euros
é o valor total dos apoios públicos ao setor financeiro durante o mesmo período de tempo. Caixa Geral de Depósitos, BCP, Banif, BPP e BPI foram outros dos bancos que receberam dinheiro do Estado.
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O que originou a nacionalização do BPN?
A descoberta, em outubro de 2008, de um "buraco" de 700 milhões de euros no BPN, ocultado durante anos pelo banco liderado de 1997 a fevereiro de 2008 por Oliveira Costa. A decisão foi anunciada pelo Governo de José Sócrates e validada pelo Parlamento e pelo presidente da República, Cavaco Silva.
A reprivatização do banco foi atrativa?
Não. Ainda no Governo de José Sócrates, foram abertos dois concursos, que ficaram vazios. O memorando com a troika impôs que o BPN fosse reprivatizado até 31 de julho de 2011, tendo o Governo de Pedro Passos Coelho negociado diretamente com o BIC, de capital angolano, e hoje EuroBic.
Por que montante foi alienado o BPN?
Cerca de 40 milhões de euros, menos 140 milhões do que tinha sido estabelecido como mínimo em 2010. O negócio foi firmado em dezembro de 2011, depois de, na sequência de uma rutura nas negociações, Pedro Passos Coelho ter ligado para Luanda para falar com o Governo angolano e convidar o líder do BIC a deslocar-se a Lisboa. A reprivatização abrangeu apenas as partes boas do BPN e a rede de balcões do banco nacional.