No segundo ano da pandemia, venda de medicamentos com receita baixou mas produtos de venda livre subiram.
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Os portugueses gastaram em média 6,45 milhões de euros por mês em produtos para dormir no ano passado, num total de 77,43 milhões de euros. Os dados, avançados ao JN pela consultora IQVIA XTrend, são referentes à venda em farmácias de medicamentos com e sem receita médica e são, no entender de Teresa Paiva, especialista na área do sono, valores "assustadores". Hoje celebra-se o Dia Mundial do Sono.
Segundo a IQVIA, em 2021 as vendas em farmácia de hipnóticos, sedativos e tranquilizantes com receita médica totalizaram 67,99 milhões de euros e equivalem à aquisição de 15,18 milhões de embalagens. Correspondem a um decréscimo de 1,7% em relação a 2020, ano em que se venderam 73,65 milhões de euros e 15,44 milhões de embalagens.
Quanto a produtos para dormir e calmantes que dispensam receita médica, os números subiram: em 2021, venderam-se 9,44 milhões de euros (712 mil embalagens), contra 9,06 milhões (693 mil embalagens) em 2020. Mais pessoas foram diretamente às farmácias em busca de soluções para conciliarem o sono.
Fundamental tratar causas
Teresa Paiva, especialista na área do sono, lembra que "muitos destes remédios dão dependência, problemas de memória a prazo e o seu consumo crónico, principalmente nas pessoas mais velhas, tem um risco acrescido de demência e morte mais precoce e de cancro".
A contribuir para uma procura tão grande destes medicamentos estará a pandemia. Recorde-se que, em 2020, primeiro ano da covid-19, a venda deste tipo de medicamentos disparou (ver infografia). Com a guerra na Ucrânia, fonte de "enorme preocupação", é preciso ter atenção. "Agora, com a ameaça de guerra mundial, com certeza há maior perplexidade e ansiedade", alerta Teresa Paiva, notado também que os portugueses são dos povos menos felizes da Europa.
Em relação à insónia, refere Teresa Paiva, "quanto mais remédios as pessoas tomam, pior". É fundamental averiguar as causas - que podem ser "stress do trabalho, familiar, preocupações, outra doença, ter uma doença do sono, psiquiátrica, stress pós-traumático ou combinações de várias coisas" - para haver tratamento adequado. O que nem sempre passa por medicação, vinca.
Muitos doentes precisam de "mudanças de estilo de vida, outros de explicações concretas e de tornar o problema objetivo, alguns de terapias cognitivo-comportamentais, de psicoterapia ou de uma mistura de várias coisas". "Tomar remédios sem receita é muito mau, receitar remédios para dormir sem perceber do assunto também não me parece que seja uma boa coisa", finaliza. Outro alerta é para a identificação correta dos problemas do sono e das suas causas, como a apneia.
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Consultas São João
No último ano foram feitas cerca de 3100 primeiras novas consultas e 8500 consultas subsequentes de patologia respiratória do sono do Centro Hospitalar Universitário de São João, informou Mafalda van Zeller. A mediana de espera para consulta é atualmente de 56 dias.
Rastreio gratuito
O Hospital de Santa Maria, no Porto, promove hoje, entre as 9 e as 18 horas, um rastreio de apneia do sono. É gratuito, mas implica inscrição prévia.
Apneia do sono, uma doença por diagnosticar em muitas situações
Paragens respiratórias durante o sono e cansaço diurno são sinais de alerta
Rui Mata acordou "a meio da noite sem respirar". O episódio foi "verdadeiramente assustador" e levou o gestor com 52 anos, de Lisboa, com excesso de peso, a procurar ajuda. Foi diagnosticado com apneia do sono e, desde maio, usa um equipamento especializado para poder dormir e descansar.
Mas ainda há muitas pessoas que sofrem deste distúrbio crónico respiratório e não sabem. Sofrem de colapsos intermitentes e repetidos das vias aéreas superiores durante o sono que levam a uma respiração irregular e a uma fragmentação do sono. O alerta é de Mafalda van Zeller, coordenadora da Comissão de Trabalho de Patologia Respiratória do Sono da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, que defende que os médicos devem ter um "índice de suspeição elevado", encaminhando os doentes para consultas especializadas do sono, onde exames como a polissonografia poderão confirmar a situação.
Com base em estudos internacionais, estima-se "que 9 a 24% da população adulta e 2% das crianças" sofram de apneia do sono e em Portugal "muitas pessoas" ainda estão por diagnosticar, diz van Zeller. A doença é mais prevalente nos homens e entre os fatores de risco conta-se o excesso de peso, idade superior a 45 anos, problemas de saúde como hipertensão, diabetes ou patologia cardíaca, a morfologia da face, o histórico familiar, consumo de álcool, de alguns sedativos e tabagismo.
Devido à apneia, as pessoas sentem-se cansadas e com sonolência diurna. Também aumenta o risco de pressão arterial elevada que por sua vez aumenta o risco de enfarte agudo do miocárdio ou acidente vascular cerebral.