Das favas aos alimentos do futuro: investigadores procuram proteínas de origem vegetal para um planeta mais saudável
Culturas como o grão-de-bico, a fava, as lentilhas e a quinoa podem ajudar a tornar os sistemas alimentares europeus mais sustentáveis e amigos do ambiente.
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Na exploração leiteira biológica de Marianne Mulhall, no sudeste da Irlanda, a colheita de inverno do trigo está com um ar mais bonito do que o habitual. Na primavera, está muitas vezes um pouco amarela e murcha, o que indica uma carência de azoto. O trigo deste ano, semeado num campo onde foram cultivadas favas e ervilhas no verão passado, ainda está verde e brilhante, com poucos sinais de perda de azoto.
O trigo está bonito, explicou Mulhall, porque as leguminosas, como as ervilhas e os feijões, capturam o azoto da atmosfera e adicionam-no ao solo. Isto significa que os agricultores podem cultivar outras culturas depois delas, sem necessidade de recorrer a inputs de azoto adicionais e dispendiosos.
"Isto é bom para os agricultores, uma vez que os preços dos fertilizantes subiram em flecha nos últimos anos", disse Mulhall, consultora da Teagasc, a autoridade irlandesa para o desenvolvimento agrícola e alimentar.
Fontes alternativas
Mulhall está a experimentar novas formas de cultivo como parte de um ensaio financiado pela UE num esforço mais vasto para diversificar as fontes de proteínas nutricionais.
De acordo com Emanuele Zannini, especialista em ciência alimentar, isto é particularmente importante porque os métodos atuais de produção de proteína animal não são sustentáveis. A população mundial em crescimento aumentará ainda mais a procura de proteínas. "Precisamos de encontrar fontes alternativas de proteínas para reduzir a carga ambiental", disse Zannini, que trabalha na University College Cork, na Irlanda.
De acordo com a EDGAR-FOOD, uma base de dados global desenvolvida pelo Centro Comum de Investigação da Comissão Europeia, os sistemas alimentares emitem cerca de um terço das emissões globais de gases com efeito de estufa de ação humana, estando grande parte destas emissões ligadas à produção de carne e de lacticínios. A análise do Our World in Data mostra que a produção de aves de capoeira emite quase sete vezes mais CO2 por cada 100 gramas de proteína do que a produção de leguminosas. A produção de leite e de carne de bovino é 10 e 60 vezes mais intensiva em carbono, respetivamente.
Uma forma de reduzir estas emissões é comer mais proteínas de origem vegetal, disse Zannini, que liderou uma iniciativa de quatro anos financiada pela UE chamada SMART PROTEIN, que terminou em junho de 2024.
Leguminosas sustentáveis
Reunindo peritos alimentares e cientistas de nove países da UE e de todo o mundo, a equipa SMART PROTEIN explorou a produção de alimentos à base de plantas a partir de três culturas: grão-de-bico, lentilhas e favas.
"O consumo destas leguminosas tem uma tradição na Europa, nomeadamente nas regiões mediterrânicas", afirma Zannini. No entanto, à medida que a Europa se tornou mais próspera, as pessoas começaram a comer mais carne.
A iniciativa visava incentivar os agricultores europeus a cultivar mais destas leguminosas para satisfazer a procura crescente dos consumidores que estão a reduzir o consumo de carne e a procurar alternativas alimentares respeitadoras do ambiente.
A equipa de investigação analisou igualmente a quinoa, um cereal sul-americano que já é cultivado em alguns países europeus.
"Do ponto de vista nutricional, a quinoa é um super grão", diz Zannini. "As sementes da planta contêm todos os aminoácidos essenciais - os blocos de construção das proteínas - que o nosso corpo não consegue produzir e são ricas em minerais, vitaminas e gorduras saudáveis."
Força na diversidade
A equipa de investigação trabalhou com agricultores na Bélgica, Irlanda, Itália, Portugal e Espanha para testar o crescimento destas culturas em diferentes ambientes. Um dos desafios que os agricultores enfrentam são as alterações climáticas. "Estamos a lidar com um clima que já não é previsível", disse Zannini.
Os investigadores experimentaram diferentes variedades de culturas, incluindo algumas estirpes europeias mais antigas que "ressuscitaram".
Descobriram que algumas variedades podiam crescer em diversas condições e conseguiam adaptar-se ao clima variável. Zannini atribui esta robustez ao seu património genético, que é mais diversificado do que o de algumas culturas modernas criadas de forma mais intensiva.
"O melhoramento intensivo, está a forçar algumas caraterísticas, por exemplo, grandes colheitas, resistência a ervas daninhas e alto teor de proteínas, mas potencialmente perde caraterísticas que podem fazer a diferença quando a planta enfrenta condições climáticas extremas", afirmou.
Estas culturas poderão ajudar a tornar os agricultores menos vulneráveis às alterações dos padrões climáticos. Por exemplo, os investigadores descobriram que as condições na Irlanda eram excelentes para o cultivo de favas, com colheitas cerca de duas vezes superiores às do Sul da Europa.
"Os agricultores irlandeses poderiam diversificar as rotações das suas culturas e tornar as produções mais resistentes", afirmou Zannini.
Na sua quinta, Mulhall quer experimentar diferentes variedades de ervilhas e feijões e explorar como as culturas do futuro podem ser utilizadas para produtos alimentares. "Esta situação poderá também proporcionar ganhos financeiros aos agricultores, uma vez que as culturas alimentares têm normalmente um preço mais elevado do que as culturas forrageiras", afirmou.
Novas opções alimentares
Um dos desafios é a integração de mais proteínas alternativas e de origem vegetal nas dietas modernas. Os investigadores da SMART PROTEIN experimentaram uma série de novas opções alimentares, desenvolvidas através da combinação de proteínas vegetais com fungos e leveduras, ou da fermentação de resíduos de cereais, massa e pão provenientes de cervejarias, fábricas de massas e padarias.
A mistura de proteínas de diferentes fontes permitiu-lhes criar alimentos complexos com perfis de sabor e textura mais interessantes do que os que poderiam obter a partir de apenas uma planta. Também há benefícios nutricionais.
Os iogurtes, queijos e a carne de caranguejo à base de plantas daí resultantes foram um grande sucesso, segundo Zannini A equipa também produziu carne picada, hambúrgueres e leite em pó para bebés. A investigação prossegue atualmente para testar e desenvolver mais alguns destes alimentos.
Aumentar a escala
Para o Paul Vos, cientista de nutrição e saúde da Universidade e Investigação de Wageningen, nos Países Baixos, o desafio é aumentar as fontes alternativas de proteínas, incluindo as proteínas vegetais, para a alimentação humana.
Paul Vos lidera outra iniciativa financiada pela UE, denominada GIANT LEAPS, que explora a melhor forma de incorporar proteínas alternativas em alimentos populares e de as tornar parte integrante das dietas europeias.
"A nossa abordagem consiste em concentrarmo-nos em produtos e fontes de proteínas que possam ser consumidos em grande escala", afirmou.
Cerca de 60% das proteínas consumidas na UE provêm de fontes animais e 40% de plantas. A equipa liderada por Paul Vos gostaria de ver esta situação invertida até 2050, atingindo um ponto intermédio de uma mistura 50:50 até 2030.
O objetivo é encontrar a dieta equilibrada perfeita tanto para a saúde como para o ambiente. É isto que os investigadores pretendem compreender melhor através da avaliação objetiva e da modelização dos dados, tendo em conta todos os fatores: nutrição, saúde, segurança e sustentabilidade.
A equipa de investigação, que reúne especialistas em alimentos, produtores e académicos de toda a Europa e não só, está a estudar os hábitos alimentares nos 27 países da UE para descobrir a melhor forma de conseguir uma mudança alimentar nas várias regiões da Europa.
"O objetivo é fazer as mudanças mais impactantes nos regimes alimentares, substituindo os produtos tradicionais de proteína animal, como a carne ou os lacticínios, por alternativas que tenham um equilíbrio ótimo entre os benefícios para a saúde e o ambiente", disse o cientista.
Os substitutos podem ser alimentos à base de plantas que já estão disponíveis ou novos produtos desenvolvidos pela equipa GIANT LEAPS.
"Com alterações mínimas na dieta do consumidor, pretendemos ter o maior impacto nos indicadores ambientais e de saúde", afirmou.
As fontes vegetais prontamente disponíveis e já utilizadas na alimentação são claramente a forma mais rápida de impulsionar a mudança alimentar, reconheceu Paul Vos. Para isso, a equipa concentra-se na fava, na aveia, na quinoa, nas lentilhas, na colza e no grão-de-bico.
Tal como a equipa da SMART PROTEIN, estão a combinar várias fontes de proteína utilizando técnicas de processamento inteligentes, eficientes em termos energéticos, seguras, que visam reter os nutrientes e otimizar o valor nutricional. Com esta abordagem, conseguem criar alimentos mais complexos e saborosos, ricos em proteínas e nutrientes.
Adesão dos consumidores
Os investigadores estão também a tentar compreender a perceção dos consumidores, a fim de reduzir os obstáculos a uma maior adoção de substitutos da carne e dos produtos lácteos baseados em fontes alternativas de proteínas. Vos sugere que, em vez de demonizar produtos como a carne, os esforços devem concentrar-se mais em melhorar as alternativas.
Em 2023, o Instituto Federal Suíço de Tecnologia de Zurique realizou um inquérito em linha a 916 participantes da parte germanófona da Suíça. Verificou que as pessoas estavam mais dispostas a aceitar produtos produzidos a partir de alimentos familiares, como batatas ou ervilhas, do que a partir de carnes cultivadas ou algas marinhas.
Outra questão fundamental é o preço. Os investigadores do GIANT LEAPS compararam 10 000 produtos na Europa e descobriram que alguns substitutos da carne custavam mais do dobro do preço da carne. As alternativas ao leite eram até 58% mais caras do que o leite de vaca.
Segundo Vos, estas conclusões põem em evidência um desafio fundamental.
"Para fabricar produtos a um preço acessível, é necessária a produção em escala e, para atingir a escala, precisamos da aceitação do consumidor."
Para apoiar a aceitação generalizada dos consumidores, os investigadores do GIANT LEAP pretendem encontrar o equilíbrio perfeito entre a qualidade das proteínas, o valor nutricional, a segurança alimentar, o sabor e as credenciais ambientais para criar novos alimentos adequados às futuras dietas saudáveis. Dietas que são boas para as pessoas e boas para o planeta.
A investigação deste artigo foi financiada pelo Programa-Quadro Horizonte da UE. Os pontos de vista dos entrevistados não refletem necessariamente os da Comissão Europeia.
Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.