A voltas com a subida do nível do mar, a poluição por plásticos e a pesca excessiva, a emergente Internet das Coisas Subaquáticas irá alargar consideravelmente o conhecimento sobre os mares do mundo.
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Imagine focas a nadar no mar com etiquetas eletrónicas que enviam dados sobre a água em tempo real aos cientistas nos seus laboratórios. Ou os arqueólogos perto de uma costa serem automaticamente alertados quando um mergulhador invade um precioso navio naufragado.
Estes cenários estão a tornar-se possíveis graças às tecnologias subaquáticas interligadas, que podem ajudar a monitorizar e proteger os oceanos do mundo. Podem também esclarecer os muitos mistérios que ainda subsistem no mar.
Nova fronteira
"As empresas e instituições que exploram o espaço, têm recebido muito financiamento mas há oceanos à nossa volta que ainda não explorámos", afirmou Vladimir Djapic, associado de inovação do projeto TEUTA financiado pela UE.
Cerca de 70% da Terra está coberta por oceanos e mais de quatro quintos deles nunca foram cartografados, explorados ou sequer vistos pelos seres humanos.
A Internet das Coisas Subaquáticas, ou IoUT, é uma rede de sensores e dispositivos inteligentes e interligados para facilitar a comunicação no mar. Contrasta com a Internet das Coisas, ou IoT, que abrange tudo, desde telemóveis inteligentes a dispositivos que permitem ligar o aquecimento de casa à distância, O TEUTA decorreu de outubro de 2020 a março de 2022. Ajudou uma empresa croata, H20 Robotics, a desenvolver e vender dispositivos acústicos leves e de baixo custo e plataformas robóticas para redes subaquáticas sem fios.
"Com um número limitado de instalações de redes subaquáticas, só podíamos explorar zonas costeiras limitadas", disse Djapic, que é diretor executivo da H20 Robotics, com sede em Zagreb.
Prevê-se que os avanços nas tecnologias subaquáticas transformem muitos sectores, incluindo a biologia marinha, a monitorização ambiental, a construção e a geologia.
Ao jeito das baleias
O TEUTA desenvolveu uma tecnologia acústica que imita a forma como as baleias e os golfinhos comunicam.
As ondas acústicas, ao contrário das ondas de rádio ou de comunicação ótica, percorrem longas distâncias debaixo de água, independentemente das águas turvas ou cristalinas.
Sensores remotos, ferramentas de medição, sistemas de deteção ou câmaras instaladas num local subaquático recolhem dados que são depois enviados para uma boia à superfície. A boia, por sua vez, envia as informações sem fios para a base, através da nuvem, sem necessidade de cabos de comunicação.
Uma das áreas de incidência é a melhoria das comunicações entre os mergulhadores e os colegas em terra, segundo Djapic.
"Por exemplo, um mergulhador a trabalhar numa construção subaquática pode enviar uma mensagem a um supervisor e pedir ajuda adicional, ferramentas ou algo semelhante", disse Djapic.
Os cientistas também podem beneficiar, por exemplo, ao poderem ligar à distância, a partir dos seus laboratórios, um dispositivo de medição da qualidade da água instalado no fundo do mar.
Por seu lado, os arqueólogos poderiam utilizar a tecnologia para ajudar a proteger sítios subaquáticos vulneráveis com tecnologia de deteção de intrusos instalada em locais remotos. Com efeito, a tecnologia TEUTA apoiará outro projeto apoiado pela UE, TECTONIC, que visa melhorar a documentação e a proteção do património cultural subaquático em três sítios-piloto.
Os locais são a Área Marinha Protegida de Capo Rizzuto, no sul de Itália, o antigo porto submerso de Aegina, no Golfo Sarónico, na Grécia, e um local de naufrágio no estuário do Deseado, na Argentina.
Outras possibilidades, como a agricultura subaquática ou a extração mineira, poderão também abrir-se, segundo Djapic.
Para as agências públicas ou organizações não governamentais que monitorizam a qualidade da água, a tecnologia poderia substituir a necessidade de os investigadores irem recolher amostras fisicamente e entregá-las no laboratório.
Embora o TEUTA tenha dado um impulso às novas tecnologias de comunicação subaquática, há que trabalhar mais na sua comercialização e garantir a sua utilização mais alargada, segundo Djapic.
"Tudo isto tem de ser analisado», afirmou. «A nossa tecnologia permite a medição de parâmetros ambientais".
Sensores e coletores de amostras
Entretanto, em Itália, uma equipa de investigadores está a desenvolver uma nova abordagem para a recolha de dados sobre os oceanos, utilizando sensores e amostradores que podem ser integrados em observatórios e plataformas existentes.
Tal permitiria a recolha de grandes quantidades de informações úteis, por exemplo, para a proposta de Gémeo Digital Europeu do Oceano anunciada em fevereiro de 2022. O gémeo será uma réplica digital em tempo real do oceano, integrando dados históricos e dados em tempo real. Ao desenvolver uma nova geração de tecnologias marinhas, o projeto NAUTILOS, financiado pela UE, irá recolher informações anteriormente inacessíveis e melhorar a compreensão das alterações físicas, químicas e biológicas nos oceanos.
Com uma duração de quatro anos, até setembro de 2024, o projeto é coordenado por Gabriele Pieri, do Conselho Nacional de Investigação, com sede em Roma.
"A nossa proposta visa preencher uma lacuna na observação dos oceanos", afirmou Pieri. "São os maiores habitats da Terra, mas os menos observados devido às dificuldades de observação no local e aos custos de monitorização".
A tecnologia NAUTILOS já está a ser testada nos mares Báltico e Mediterrâneo, incluindo o Egeu e o Adriático.
Os sensores podem, por exemplo, medir os níveis de clorofila A e de oxigénio dissolvido na água. Estes são indicadores importantes da qualidade da água e, por extensão, da presença de peixes, ajudando a proteger as suas unidades populacionais.
Os sensores e amostradores que recolhem informações sobre a concentração de microplásticos na água também aumentam a compreensão do impacto da poluição gerada pelo homem nos oceanos.
Ajudar as barbatanas e as mãos
Um dos parceiros do NAUTILOS, o Centro Nacional de Investigação Científica (CNRS) de França, recrutou até alguns companheiros de equipa improváveis: focas.
A nadar ao largo da Península Valdés, na Argentina, estas criaturas marinhas foram marcadas com sensores que registam dados valiosos sobre os próprios animais e os seus habitats.
A equipa NAUTILOS, composta por instituições de investigação e empresas, está a desenvolver mais de uma dúzia de tipos de sensores e amostradores. Estes incluem tecnologias de deteção remota e detetores de microplásticos.
O projeto pretende demonstrar que as novas ferramentas podem funcionar com as plataformas existentes e futuras e alternar facilmente entre elas.
As ferramentas são relativamente baratas, podem ser utilizadas rapidamente e funcionam em conjunto com outros equipamentos, oferecendo muitas vantagens. Por exemplo, um sensor pode ser montado num veículo subaquático autónomo e depois deslocado para uma boia fixa.
A ciência cidadã é uma parte importante da NAUTILOS, que trabalha com voluntários que organizam campanhas em torno dos plásticos nos oceanos, por exemplo, bem como com associações de mergulho cujos membros podem testar novas tecnologias e dar feedback.
A equipa também desenvolveu uma aplicação para smartphone que permite aos mergulhadores carregar fotografias da flora ou fauna subaquáticas que podem ser avaliadas pelos investigadores.
"O interesse pela ciência cidadã surpreendeu-me muito", disse Pieri. "Muitas pessoas estão dispostas a ajudar a melhorar a vida do mar".
Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.