Recuperar os espaços urbanos: como as cidades estão a acolher de volta a natureza
Numa altura em que as cidades enfrentam desafios crescentes em matéria de clima e biodiversidade, os investigadores financiados pela UE estão a aproveitar o poder da natureza para criar espaços urbanos mais verdes, mais saudáveis e mais resistentes.
Corpo do artigo
Num bairro industrial nos arredores de Buenos Aires, um beija-flor paira sobre um canteiro vibrante de plantas e flores. Há dois anos, a zona era um conjunto de ruas cinzentas e unidades fabris. Hoje, investigadores financiados pela UE estão a trazer a natureza para a Argentina urbana, numa colaboração entre cidades europeias e latino-americanas.
Nos passeios de San Martín, na Região Metropolitana de Buenos Aires, foram plantados canteiros conhecidos como jardins de águas pluviais. As modestas faixas de um metro estão repletas de plantas e atraem polinizadores - borboletas, abelhas e outros insetos.
Os benefícios são evidentes, tanto para a natureza como para a comunidade, explica Demián Rotbart, diretor-geral de Planeamento Urbano do Município de San Martín, que trabalhou com a Universidade de Buenos Aires no âmbito de uma iniciativa de investigação financiada pela UE, denominada CONEXUS, que terminou em agosto de 2024.
"É um ambiente muito melhor para as pessoas que circulam de e para a universidade e também para os trabalhadores fabris. À hora de almoço, o bairro está cheio de trabalhadores a almoçar na rua. É um ambiente mais interessante, revitalizado, que dá à população local acesso a vegetação e a espaços verdes no sítio onde moram", afirma.
Absorver a água da chuva
Os jardins de águas pluviais incorporam os mais recentes conceitos em matéria de sistemas de drenagem sustentáveis, concebidos para captar o escoamento de águas dos telhados e pavimentos. Trata-se de uma solução baseada na natureza para ajudar a gerir as águas pluviais e as inundações repentinas que são cada vez mais comuns nas zonas urbanas.
"As soluções baseadas na natureza são as intervenções ecológicas que podemos realizar no terreno para enfrentar os desafios ambientais globais, trazendo a natureza de volta a zonas que carecem de espaços verdes", afirmou Tom Wild, coordenador da iniciativa de investigação CONEXUS e especialista em ecologia da paisagem da Universidade de Sheffield, no Reino Unido.
A análise dos jardins de águas pluviais mostra que estes oferecem uma alternativa rentável às abordagens tradicionais de controlo de inundações baseadas em redes de infraestruturas. Os investigadores esperam que possam ser ampliados para fazer parte de uma solução híbrida em Buenos Aires e noutras cidades.
Recuperação de rios urbanos
A prova da sua eficácia está a ajudar a concretizar uma visão de futuro para a gestão da água urbana: libertar os cursos de água urbanos dos seus canais de betão e restaurar os ecossistemas naturais, ajudando assim a controlar as inundações e a reduzir a poluição da água.
Recuperar 25 mil quilómetros de rios para o seu antigo estado de curso livre é um objetivo fundamental da Estratégia de Biodiversidade da UE para 2030 do Pacto Ecológico Europeu.
Para investir em soluções baseadas na natureza e na recuperação de ecossistemas, as cidades e as comunidades precisam de provas sólidas de viabilidade a longo prazo. De 2020 a 2024, a equipa CONEXUS recolheu dados sobre o impacto e a sustentabilidade de uma série de soluções baseadas na natureza de sete projetos de cidades em São Paulo, Bogotá, Santiago, Lisboa, Barcelona, Buenos Aires e Turim.
"A ideia era, ao trabalharmos em conjunto, encontrarmos uma maior paleta de entendimentos e também mais inspirações para as respostas", diz Wild.
Os investigadores plantaram florestas urbanas, protegeram zonas húmidas, procuraram soluções para o problema do calor urbano e da melhoria da qualidade do ar. Criaram espaços verdes na cidade para cultivar alimentos e monitorizaram o seu impacto, promovendo-os como espaço de relações sociais e de lazer.
"Os projetos mostram que podemos reintegrar soluções baseadas na natureza nas nossas cidades. Há coisas que podemos fazer para nos adaptarmos e respondermos aos desafios do mundo, e esta é uma mensagem de esperança muito necessária", afirma Wild.
Arrefecer as cidades com zonas verdes
Em Turim, no norte de Itália, pequenos espaços urbanos que outrora foram utilizados para armazenar resíduos residenciais são agora o lar de árvores e plantas. O movimentado bairro de Valdocco é dominado por estradas e pelo trânsito. Mas os investigadores do CONEXUS trabalharam com as autoridades locais para criar pequenos espaços verdes e melhorar a qualidade de vida dos residentes e das crianças em idade escolar.
O seu trabalho ajudou a combater o calor intenso da paisagem urbana, com a sombra das copas das árvores e a humidade refrescante libertada pelas plantas: estratégias naturais que melhoram a resistência das cidades às alterações climáticas.
Riccardo Saraco, do Município de Turim, liderou o projeto e acredita firmemente que as soluções baseadas na natureza devem desempenhar um papel mais importante no planeamento urbano.
"Trazem benefícios, não só em termos de impacto ambiental, como a qualidade do ar. Tornam as zonas mais agradáveis para as pessoas que as habitam e geram novas competências profissionais. Não é fácil encontrar empresas que possam implementar uma parede verde ou um telhado verde, e há aqui oportunidades para criar novos empregos sustentáveis", afirmou.
Projetos para uma mudança ecológica
As lições aprendidas pela equipa de investigação CONEXUS estão a ser utilizadas numa outra iniciativa financiada pela UE. A NetworkNature tem como objetivo tornar os projetos de soluções baseadas na natureza facilmente acessíveis a todos os envolvidos na definição do futuro das cidades.
A NetworkNature está atualmente na sua segunda fase, NetworkNaturePlus, que decorrerá até 2027. A equipa da NetworkNature está a reunir mais de 90 projetos financiados pela UE que incorporam soluções baseadas na natureza e a disponibilizar publicamente os seus conhecimentos através de bases de dados em linha.
A coordenadora da NetworkNature é a Daniela Rizzi, cuja formação é em arquitetura e planeamento urbano. Tendo estudado em São Paulo, testemunhou em primeira mão a poluição e a degradação dos rios da cidade e é apaixonada por soluções baseadas na natureza. "Penso que elas são o passado, o presente e o futuro. Precisamos efetivamente delas para resolver a crise que temos. As soluções baseadas na natureza não podem, por si só, resolver tudo, mas não podemos resolver as coisas sem elas", afirmou.
NetworkNature é um recurso em linha concebido para inspirar as partes interessadas na Europa e não só, através da partilha de conhecimentos, ferramentas e melhores práticas sobre soluções baseadas na natureza. Coordenado pelo ICLEI - Governos Locais para a Sustentabilidade, uma rede global de mais de 2 500 governos locais e regionais dedicados ao desenvolvimento urbano sustentável, liga peritos, decisores políticos, profissionais e investigadores.
Planear o futuro
Rizzi espera, através de sessões de informação sobre políticas, workshops e webinars, conseguir impulsionar a adoção de soluções baseadas na natureza e influenciar as políticas, de modo a moldar o financiamento e a atribuição de recursos.
"Não se trata apenas de reforçar as capacidades de implementação de soluções baseadas na natureza", afirmou. "Temos de dar um passo em frente e influenciar a política e os regulamentos".
Isso porque as políticas definem o tom do financiamento e do acesso aos recursos, e Rizzi acredita que elas são fundamentais para promover mudanças reais.
"É muito importante e, se não o fizermos, os governos, as empresas e as comunidades continuarão a agir como habitualmente".
Na opinião de Rizzi, o crescente conjunto de provas destes projetos demonstra que as soluções baseadas na natureza não são apenas uma visão para o futuro, mas sim uma realidade prática e escalável - oferecendo esperança, resiliência e um caminho sustentável para os ecossistemas e as pessoas em todo o mundo.
Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.