A empresa-mãe da GearBest está a enfrentar um processo de falência na China, após um pedido apresentado por um banco local. Com o site de vendas online fechado há vários dias, são poucas as hipóteses de os clientes reaverem o dinheiro ou receberem as encomendas já pagas.
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As perspetivas não são animadoras para os clientes da GearBest, que desapareceu da Internet, do mundo, nas últimas semanas, quando corre na China um processo de "apreciação de falência", na sequência de um pedido apresentado pela sucursal de Nanshan, em Shenzhen, pelo Banco Industrial e Comercial da China (BICC).
A GearBest, empresa online de venda de produtos eletrónicos, nomeadamente telefones e "gadgets" de fabrico chinês, é um dos ramos da Global Top E-Commerce, anteriormente conhecida por Shenzhen Globalegrow Electronic Commerce, ou, na forma mais simples, Globalegrow.
Muito popular em alguns países europeus como França, Espanha ou Portugal, por exemplo, a GearBest fechou o site e deixou de responder aos clientes que fizeram encomendas nas últimas semanas. São vários os relatos de pessoas que não conseguem contactar a empresa, tendo compras pagas, algumas de centenas de euros, sem saber se vão receber a encomenda ou ser ressarcidas.
A empresa-mãe da Gearbest disse, em junho, quando o processo de apreciação de falência terá dado entrada no Tribunal Provincial de Guangdong, que não tinha recebido documentos oficiais do Tribunal Popular Intermédio de Shenzhen, mas admitiu que estaria a negociar um acordo com a sucursal de Nanshan do BICC, enquanto angariava novos financiamentos para se manter viável.
Xiaomi entre os investidores da dona da Gearbest
Entre os investidores figuraram empresas como a Xiaomi, Shunwei, CDH, Quantum Yuedong, Xiyin International, refere o site "Gizmochina", especializado em notícias tecnológicas da China. A entrada de novos acionistas, e mais capital, parece não ter sido suficiente para segurar a Globalegrow, que em março já tinha vendido a subsidiária Patoxun por 2,2 biliões de yuans, cerca de 263 milhões de euros.
Mais tarde foi a vez da Zaful, uma das marcas importantes de vestuário do grupo, deixar o universo da Globalegrow, enfraquecendo mais a casa-mãe, cujos problemas financeiros foram publicamente reconhecidos nos últimos dias. Um vídeo mostra o diretor-executivo da GearBest a explicar aos jornalistas chineses porque tinha deixado de pagar aos fornecedores.
Em face destes atrasos, os fornecedores deixaram de enviar os produtos à GearBest, o que acentuou as queixas dos consumidores, nomeadamente atrasos ou falhas nas encomendas. Um problema que se avolumou nas últimas semanas, com o desaparecimento da marca na Internet. Uma situação, que, em parte, decorre da forma como a empresa estava organizada, segundo um ex-diretor de "marketing" daquela companhia chinesa.
"Um dos motivos mais óbvios para os problemas de apoio ao cliente era a enorme taxa de rotação das pessoas que trabalhavam na GearBest. A massa de empregados era constituída de recém-licenciados, que muitas vezes saíam da empresa após apenas alguns meses", lembra Daniel Camilo, que trabalhou naquela empresa quase três anos. "Isto levava a enormes complicações no que diz respeito à transferência do fluxo de trabalho e, em particular, no apoio ao cliente", porque "cada queixa era um processo específico associado a uma pessoa" que atrasava todo o processo, contou ao "Jornal de Notícias", em resposta a perguntas enviadas por email.
Poucas hipóteses para os clientes de serem ressarcidos
"Se a empresa realmente fechou permanentemente acho improvável que haja qualquer apoio ao cliente daqui para a frente", diz Daniel Camilo, ressalvando que, não havendo ainda informação oficial, seria especulação destruir já a esperança dos clientes que têm milhares de euros empatados em compras na GearBest, só nas últimas semanas e segundo estimativas de "sites" da especialidade.
Alguns dos maiores mercados da GearBest eram a Rússia, Espanha, Itália, Brasil, mas também Portugal. A empresa operava online em 23 nações, com cerca de 60 milhões de clientes registados e uma média mensal de 234 milhões de visitas. O tráfego era a base do financiamento da empresa.
"A marca (assim como outras semelhantes) torna-se conhecida através da publicidade online. Para isso gasta centenas de milhares de dólares diários em alguns períodos de tempo, como acontecia em 2016, para inundar a Internet com anúncios" em plataformas como Google, Facebook, Youtube, Instagram, etc. "Com o imenso tráfego online obtido com essas campanhas de anúncios, que são perfeitamente legítimas, a empresa adquire uma grande base de clientes", explicou Daniel Camilo, recordando a realidade que encontrou na Gearbest nos quase três anos que trabalhou naquela empresa.
"Os produtos vendidos pela GearBest, embora tivesse um alto volume de vendas (relativamente), não eram suficientes para cobrir os custos associados ao marketing. Assim que deixa de haver dinheiro para marketing, a marca torna-se quase invisível online e as vendas descem abruptamente", comentou o português, considerando que era previsível que algo assim acontecesse.
"Tendo em conta os recentes problemas da empresa, nos últimos dois anos em particular, era previsível que algo terminal viesse a acontecer, julgo. O negócio pura e simplesmente não era sustentável", considera Camilo, sublinhando que este é um esquema de financiamento e crescimento usado por muitas empresas do chamado "silicone valley" da China.
Um esquema que era difícil de sustentar
"É um esquema insustentável no sentido em que assim que, por alguma razão, o financiamento seja cortado ou diminuído, a base que sustenta o negócio, tráfego online pago, diminui imediatamente e a base de clientes também. Acontecendo isso, surge um problema: deixa de haver dinheiro líquido para pagar a fornecedores (dos produtos vendidos no site) e para pagar salários em geral", explicou.
A Gearbest nasceu em 2014 no seio da Globalegrow, em Shenzhen. Com uma campanha agressiva na Internet, associada a marcas e pessoas influentes, a empresa assumiu-se depressa como um contendor forte no mercado de vendas online, concorrendo com gigantes como o conterrâneo Aliexpress ou o norte-americano Amazon.
A Globalegrow é a mãe de outras empresas, além da Gearbest, que está desaparecida. A esperança para os clientes que ainda tentam reaver o dinheiro é que sites como o "sammydress.com" ou "dresslily.com", da mesma empresa, continuam ativos. Cotada na bolsa, terminou o dia a valer 2,37 yuans, quase um terço da cotação de há um ano, mas continuam em silêncio, quase como se não existisse mais.