Aluno da Faculdade de Ciências absolvido de terrorismo mas condenado a dois anos de prisão
Estudante que planeou ataque na Faculdade de Ciências de Lisboa vai cumprir pena em regime de internamento, por posse de arma proibida.
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O estudante que planeou um ataque na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL) foi condenado, esta segunda-feira, a dois anos e nove meses de prisão, a cumprir "em internamento num estabelecimento destinado a inimputáveis". "Nem a comunidade está preparada para receber o senhor João de volta nem o senhor João está preparado para voltar", alegou o presidente do coletivo de juízes, Nuno Costa.
João C., de 19 anos e aluno daquela instituição, foi detido a 10 de fevereiro deste ano pela Polícia Judiciária (PJ), tendo confessado durante o julgamento, em Lisboa, que queria matar pelo menos três pessoas e que chegou a comprar armamento para o fazer.
O arguido foi considerado culpado de detenção de arma proibida, mas absolvido dos dois crimes de terrorismo de que tinha sido acusado pelo Ministério Público, por não estarem, segundo o tribunal, reunidos os requisitos legais para a existência destes ilícitos.
Distinto de um bombista suicida
Na leitura do acórdão, o juiz-presidente explicou, quanto ao crime de terrorismo na forma tentada, que a detenção do estudante em casa, onde tinha o armamento que comprara, não pode ser entendida como o início da execução do plano de ataque ao estabelecimento de ensino.
"Não conheço qualquer conceção de direito penal moderno em que esse é o início do plano que delineara. Não havendo esse início da execução, [a imputação] estaria manifestamente dada à improcedência", declarou Nuno Costa.
Já quanto ao crime de treino para terrorismo, o juiz salientou que seria necessário, para que aquele existisse, que o ato final fosse considerado penalmente terrorismo, o que não acontece. Em causa está o facto de, apesar de o jovem ter tido como objetivo assumido matar pessoas indiscriminadamente, o plano não conter "uma ideia de repetibilidade".
Por um lado, frisou o magistrado, o arguido "alegou que, de acordo com o que planeara, pretendia suicidar-se ou ser morto"; por outro, o jovem anunciou online que iria atacar a FCUL. Além disso, acrescentou, "não ficou demonstrada" qualquer ligação "a um grupo de pessoas que planeasse praticar atos idênticos", ao contrário do que acontece, por exemplo, com bombistas suicidas associados a organizações como o Estado Islâmico.
"Claro que os alunos da Faculdade de Ciências, se isto viesse a acontecer, sentiriam intimidação. Mas, com o arguido neutralizado, a ideia de repetição não existe. Não são intimidados nos termos exigidos pela lei", sublinhou Nuno Costa.
Jovem revelou "perigosidade"
Quando foi detido, João C. tinha no seu quarto uma besta, uma faca militar, um punhal e cocktails molotov prontos a ser utilizados, o que justifica a condenação a dois anos e nove meses de prisão por detenção de arma proibida.
Por ser inferior a cinco anos, a pena poderia ter sido suspensa, mas o tribunal optou por não o fazer, atendendo, sobretudo, "à perigosidade que o arguido revelou" com as suas ações.
"Neste momento, nem a comunidade está preparada para receber o senhor João de volta, nem o senhor João está preparado para voltar", considerou, esta segunda-feira, o presidente do trio de juízes que o julgou.
Nuno Costa acrescentou que, apesar de não ser inimputável, o estudante tem necessidade de acompanhamento psicológico e, por isso, irá cumprir a pena de prisão "em internamento num estabelecimento destinado a inimputáveis".
A pena poderia ter ido de um mês a cinco anos e quatro meses de prisão.
"Vitória para a defesa"
À saída da sala de audiências, o advogado do jovem, Jorge Pracana, considerou que a decisão "foi uma vitória para a defesa", que sempre contestou a acusação de terrorismo. O causídico vai agora analisar o acórdão, em particular quando à medida e à não suspensão da pena, para decidir se recorre da decisão.
O Ministério Público poderá igualmente recorrer. No julgamento, a procuradora pedira que João C. fosse punido com pelo menos três anos e meio de cadeia, com acompanhamento psicológico, por treino para terrorismo e detenção de arma proibida.
João C. está internado preventivamente no hospital-prisão de Caxias. Os cerca de dez meses em que já esteve privado de liberdade desde que foi detido serão descontados na duração final da pena a que foi agora condenado.