Centenas de famílias do distrito aguardam resposta a pedidos de subsídio de educação especial
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Há centenas de famílias do distrito de Braga cujos filhos têm necessidade de apoio terapêutico, em domínios como o autismo, atraso na fala, dificuldades motoras ou atraso no desenvolvimento, que estão à espera, desde o início do ano letivo, que a Segurança Social (SS) responda a pedidos de apoio (subsídio de educação especial) feitos com suporte em relatórios médicos. E há casos com dois anos de espera. Por tais factos, a SS já perdeu meia centena de ações no Tribunal Administrativo de Braga, com o juiz a obrigá-la a atribuir o referido subsídio e a pagar juros de mora (ler texto na página seguinte).
Bruno Carvalho, diretor do Instituto de Desenvolvimento de Guimarães, clínica privada que trabalha com menores envolvidos naqueles processos, adiantou ao JN que 180 famílias, com relatórios emitidos por médicos especialistas, enviaram, em setembro, requerimentos à SS de Braga atestando que a criança, em idade escolar, precisa de apoio. "A SS ou não responde ou indefere, por decisão de uma equipa multidisciplinar, sem sequer ver a criança!", protesta, estimando que, "no distrito haverá mais de mil à espera de decisão".
O gestor salienta que as famílias das crianças - quase todas alunas do Ensino Básico - são de baixos rendimentos (muitas delas com RSI - rendimento social de inserção) e lamenta que o Centro Distrital da Segurança Social de Braga as deixe ao abandono.
Mostrar serviço a Lisboa
Bruno Carvalho explica que, ao abrigo do subsídio de educação especial (Decreto Regulamentar n.o 3/2016 de 23 de agosto), as crianças e jovens que pertencem a agregados familiares mais carenciados e que necessitam de intervenção terapêutica (por exemplo, psicologia clínica, terapia da fala, terapia ocupacional) podem recorrer a este apoio da Segurança Social para comparticipação de consultas e tratamentos.
"Se é certo que ao longo dos anos se verificam atrasos enormes na análise destes requerimentos (conforme por diversas vezes a Provedoria de Justiça já reconheceu e alertou o Governo), neste momento a situação com que se confrontam estas centenas de famílias é desesperante", sublinha o gestor.
Bruno Carvalho explica que "estes apoios são requeridos por ano letivo e, chegados a maio (nove meses após a entrega dos requerimentos) e a um mês e meio do final do presente ano letivo, 95% dos requerimentos não têm qualquer decisão, levando a que estas crianças estejam na iminência de deixar de receber os apoios terapêuticos, porque as clínicas que os prestam não têm condições para continuar a prestar tais serviços sem receberem por parte da Segurança Social".
"Nunca na história destes apoios se verificou tal atraso....Em alguns processos, desde o momento da sua entrada até à decisão final, passam mais de dois anos. E, consultando a informação disponível noutros centros distritais (Porto, Viseu, Aveiro, Viana do Castelo, Vila Real), verifica-se que apenas um número residual de requerimentos ainda não tem decisão", sustenta ainda Bruno Carvalho.
Até parece que a SS de Braga acha que os médicos que subscrevem os relatórios "são uma espécie de malandros que a querem enganar", mesmo em casos sinalizados por centros de saúde do Estado, observa o diretor da clínica de Guimarães, que não subscreve, no entanto, tal hipótese: "Só encontro uma explicação, querem poupar para mostrar serviço aos dirigentes de Lisboa", defende.
O JN pediu, na quarta-feira, explicações ao Ministério da Segurança Social, mas não obteve resposta.
Manife em marcha
O Instituto de Desenvolvimento de Guimarães (IDG) está em contacto com outras clínicas da zona para fazerem uma manifestação de protesto junto ao edifício da Segurança Social em Braga: "Vamos tentar juntar 300 famílias", diz Bruno Carvalho, do IDG.
Queixas a Marcelo
Bruno Carvalho adiantou também que várias famílias enviaram um documento, explicando a situação, ao presidente da República, ao primeiro-ministro e ao partidos com assento parlamentar. "Houve reuniões e partidos que responderam a apoiar. Mas, até agora, nem os partidos, nem qualquer outra instância se mexeu", frisou.
Mãe agradece borla de clínica à filha. "Ela tem hipóteses de recuperar"
O JN esteve no Instituto de Desenvolvimento de Guimarães e assistiu a uma sessão de terapia da Tamara, uma jovem de 16 anos que sofre de perturbações de desenvolvimento cognitivo. Simpática e sorridente, pouco disse, já que essa é uma das suas características: "Fala pouco, fecha-se no quarto, muito ensimesmada. E tem muitas dificuldades na escola", contou a mãe, Etelvina Adelino. Tal comportamento - sublinhou - agravou-se desde que o pai faleceu. Etelvina Adelino agradece àquela clínica de Guimarães pelo facto de a filha continuar a ser ali tratada, apesar de a Segurança Social não pagar as terapias: "Sem apoio, não consigo. E ela precisa, e tem hipóteses de recuperar", afirmou, dizendo não entender porque é que não há dinheiro para acudir a jovens doentes.
"Não se entende porque é que a Segurança Social nem responde"
Noutra sala da clínica de Guimarães, e com uma terapeuta da fala, estava Luís Matos, de quatro anos e a quem foi, há dois anos, diagnosticado um atraso na fala. Luís é ativo e simpático, mas exprime-se mal: "Quando estamos em casa, seis pessoas em família, a falar e a rir com as histórias de cada um, dói-me ver que o meu menino não diz nada", refere a mãe, Ana, que vem de Barcelos para o tratamento. Era chefe de equipa numa confeção têxtil, mas abandonou a função para tratar do filho, tendo, agora, um emprego modesto. Diz que requereu o subsídio há dois anos, mas continua à espera: "A verdade é que, vivendo modestamente, vamos pagando. Mas não se entende porque é que a Segurança Social nem sequer responde", lamenta. "O problema do Luís está bem à vista de todos".
Pediatra não aceita que médicos sejam tratados como "desonestos"
"Não é aceitável que a Segurança Social, por princípio, considere desonestos ou incompetentes os médicos que elaboram os relatórios das crianças", comenta Zulmira Carvalho, responsável pela unidade de pedopsiquiatria da Zona Norte, no Hospital Magalhães Lemos, no Porto.
A médica compreende que a Segurança Social desconfie de clínicas que, como é normal, visam o lucro, mas considera inaceitável que se repudiem relatórios feitos por clínicos.
"Se o Estado desconfia dos relatórios, só tem de ir à clínica acompanhar e fiscalizar os tratamentos", defende, sublinhando que "as crianças e jovens não podem esperar pelos tratamentos". Segundo a médica, uma criança ou um jovem a quem tenha sido detetado um problema de autismo, de fala ou de desenvolvimento cognitivo, por exemplo, não pode ficar dois anos à espera de ter consultas, pois, nesse período de tempo, o problema pode tornar-se irreversível.
Queixa à Ordem?
A decisão sobre um pedido de subsídio não pode depender de um burocrata ou de uma comissão com apenas um médico, o qual nem sempre é especialista na matéria que está a despachar, defende ainda Zulmira Carvalho, mandando também recado aos colegas que assinam relatórios que sustentam os pedidos de subsídio: "Não compreendo porque é que ainda não fizeram queixa à Ordem dos Médicos".v