O presidente do Tribunal da Relação de Lisboa já tinha dito (JN de ontem) que a lei não lhe permitia tirar o juiz Rui Rangel, arguido na Operação Lex por corrupção, da secção criminal que este acaba de reintegrar, por ter expirado o prazo máximo de nove meses da suspensão de funções aplicada num processo disciplinar.
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Ontem, em conversa telefónica com o JN, Orlando Santos Nascimento já admitiu que a transferência é uma solução "em aberto", para evitar o problema de ter um suspeito de corrupção a julgar processos de corrupção, mas só se for o próprio a pedi-la.
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Como viu o anúncio da Procuradoria-Geral da República, quinta-feira, de que o Ministério Público (MP) tinha requerido a recusa do juiz Rui Rangel, para o impedir de julgar um recurso distribuído na Relação de Lisboa?Aquilo
é o terceiro patamar para prevenir estas situações. O primeiro é o seguinte: o desembargador, quando puser a mão no processo, vai ver se a recusa julgada procedente aqui há um ano [pelo Supremo Tribunal de Justiça, que então afastou Rangel, também a pedido do MP, de outro recurso da Operação Marquês] abrange este processo.
A Procuradoria falou em Operação Marquês.
Os processos têm que ter número. O que eles chamam Operação Marquês pode abranger muitos processos [o recurso distribuído a Rangel é de iniciativa do MP e contestará a decisão do juiz de instrução Ivo Rosa de impedir o uso de escutas do processo Octapharma no Marquês]. Se o juiz concluir que a recusa decidida há um ano abrange o processo agora distribuído, a questão morre ali.
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Porquê?
Porque ele próprio o diz: "Eu não posso mexer neste processo, porque já houve uma recusa anterior que já foi deferida pelo Supremo". Se assim for, a recusa que o MP disse que ia apresentar morre por inutilidade. Arranjou-se aí uma celeuma antes do tempo. Até porque há um segundo patamar: o próprio juiz pode pedir escusa ao Supremo. E caso falhem os dois primeiros patamares, o MP, arguidos e assistentes ainda podem recusar o juiz. O sistema tem três patamares para que haja uma justiça tranquila, com imparcialidade e sem suspeição pública.
Mas já foram distribuídos mais cinco recursos ao juiz. Será preciso percorrer aqueles patamares em todos? É uma trabalheira para o sistema e pode não dar dele boa imagem, não acha?
O próprio pode tomar a iniciativa de dizer: "Não me sinto muito à vontade, atenta esta exposição pública, e gostaria de estar ali no cível, ou no trabalho". Penso que isso respeita o princípio da inamovibilidade, segundo o qual o juiz não pode ser mudado por dá cá aquela palha. Agora pode-se objetar: o juiz tem que ter integridade e ética, e se não serve para processos crime, serve para processos cíveis e de trabalho? As questões interpenetram-se, por exemplo, no setor financeiro, com aqueles processos monstruosos. Aparecem tanto no crime como no cível. O necessário é celeridade nos processos criminais.
É perigosíssimo aceitarmos coletivamente que o juiz pode ser movido
Mas, aqui, o Conselho Superior da Magistratura, disse que o processo disciplinar corre de forma independente da Operação Lex.
Sim, tomei conhecimento na comunicação social de que há declarações [de Rangel] em 3 de outubro. Haverá uma decisão a curto prazo. Agora não temos fundamento legal para não distribuir processos a um juiz. Nem em direito no trabalho é possível pôr um trabalhador na prateleira. Quanto à questão de mudar de secção, mantém-se em aberto. Imagine que, daqui a dois ou três dias, o Dr. Rangel aparece na Relação e me diz: não me sinto à vontade ali naquela matéria e prefiro ir para uma secção cível". O Tribunal é muito grande, temos margem para isso. Mas é perigosíssimo aceitarmos coletivamente que o juiz pode ser movido. A Lei e a Constituição dizem que o juiz é inamovível, para garantir que pode decidir em consciência nas situações difíceis, onde está um pobre perante um poderoso, ou uma questão política...
Quando as pessoas entram num processo de desmoralização, depois é difícil parar. Uma vez, duas vezes, três vezes...... e depois lá se vai o princípio da inamovibilidade
Não há aqui uma excecionalidade que o permitiria?
Já tivemos uma situação, há não muito tempo, na Relação do Porto [com o juiz Neto de Moura, que assentiu em ser mudado para uma secção cível, após a polémica com duas sentenças sobre violência doméstica]. Houve uma primeira, haveria uma segunda... Quando as pessoas entram num processo de desmoralização, depois é difícil parar. Uma vez, duas vezes, três vezes... e depois lá se vai o princípio da inamovibilidade.
Não é mais desmoralizante um juiz suspeito de corrupção continuar a julgar processos de corrupção?
Aos olhos do público, sim. Até porque estamos numa altura de um certo justicialismo. Agora a nós, que estamos mais incluídos nestas matérias, preocupa-nos mais haver processos de corrupção e continuarem a ser praticados crimes de corrupção. Ou seja, o que a justiça tem estado a fazer não tem sido suficiente.
Temos estado a falar dos seis primeiros processos-crime distribuídos a Rui Rangel depois de ele retomar funções. E ele não deixará de recorrer para tribunal, se for condenado no processo disciplinar...
Sendo isso possível, aquela solução [da transferência de secção] está na raia do princípio da inamovibilidade e envolve, de facto, alguns perigos para a independência da justiça e dos tribunais, mas está em aberto.
Rui Rangel nunca lhe falou dela?
Não. É que estamos mesmo "just in time": ele iniciou funções e a distribuição foi feita na segunda-feira.
Se o Conselho lhe desse uma instrução naquele sentido, o que faria?
O Conselho tem sentido muitas pressões, de há uns tempos a esta parte, mas penso que, por causa do princípio da inamovibilidade, não daria uma instrução nesse sentido.