Um telefonema estará na origem do surto psicótico que levou refugiado a cometer ato tresloucado. O homicida estaria apaixonado por uma das vítimas.
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Abdul Bashir já andaria deprimido e, na véspera de viajar para a Suíça com os três filhos menores, recebeu por telefone a nega de um documento oficial sem o qual não podia ir para Zurique. Terá sido esta notícia que levou o refugiado afegão a matar duas mulheres e a esfaquear também um professor, que sobreviveu, no Centro Ismaelita de Lisboa. Abdul estaria apaixonado pela mais nova das vítimas mortais.
É uma das mais credíveis linhas de investigação que ajuda a explicar o ato cometido pelo refugiado afegão, de 34 anos. O telefonema que recebeu informou-o que não poderia viajar, apesar de já ter tudo planeado para ir para a Zurique. Dali, poderia querer chegar a Alemanha, onde já tinha estado, mas de onde foi mandado de volta para Lisboa, por ter sido Portugal a conceder-lhe o estatuto de refugiado.
Como não lhe ia ser dado um documento imprescindível para se deslocar com os filhos, o homem reagiu com violência. Pegou numa faca e atacou Farana Sadrudin, de cerca de 40 anos, e Mariana Jadaugy, na casa dos 20. As duas mulheres, portuguesas de ascendência indiana, morreram no corredor das salas de aula do Centro Ismaili, onde ajudavam os afegãos a integrar-se. De acordo com informações recolhidas pelo JN, Abdul também tinha tentado, por várias vezes, ter uma relação amorosa com a mais nova, que ela rejeitou.
Também atacou um professor que sobreviveu a golpes de faca no peito e pescoço. Ainda se virou para uma outra funcionária do centro que tinha vindo em auxílio das vítimas, mas esta conseguiu fugir e barricar-se.
Abdul acabou por ser baleado no escroto e numa perna por um agente da PSP. Teve de ser operado, mas não corre perigo de vida. Aliás, já foi ouvido ontem pela Polícia Judiciária e terá mostrado arrependimento.
Anteontem, a investigação dos inspetores da Unidade Nacional de Contra Terrorismo já apontava para um ato isolado, motivado por questões pessoais. Na quarta-feira, o diretor nacional da PJ, Luís Neves, garantiu não haver "um único indício" de terrorismo e apontou para um cenário de possível "surto psicótico". Luís Neves confirmou, em conferência de imprensa na sede da PJ, que o homem tinha viagem marcada, com os três filhos menores, e reiterou a ideia que "não havia qualquer sinal de radicalização religiosa".
Também o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, explicou ontem tratar-se de um caso com motivações pessoais. Segundo o chefe de Estado, "aquilo que foi apurado até agora parece confirmar" que se trata de "um caso individual, que era um caso psicológico, pessoal e familiar que ocorre em muitas circunstâncias com muitas pessoas".
Marcelo Rebelo de Sousa mencionou que no meio jurídico "especialistas em Direito da Família falavam dessas situações, que são sempre muito complicadas, muito, muito complicadas, do exercício do poder parental e com tudo o que tem por trás e as consequências que tem no comportamento das pessoas".
Muda de hospital devido a falta de quarto individual
Abdul Bashir, atingido a tiro no escroto e numa perna pela PSP, foi transferido do Hospital de São José, em Lisboa, para o Hospital Curry Cabral, pertencente ao mesmo centro hospitalar, por motivos de segurança. Em causa está o facto de a unidade de saúde onde foi alvo de uma intervenção cirúrgica na terça-feira não dispor de quartos individuais. O suspeito de ter assassinado duas mulheres e ferido um homem no Centro Ismaelita vai ter vigilância policial 24 horas por dia. A previsão é de que fique hospitalizado durante pelo menos 10 dias.
Crianças acolhidas em instituição mas com futuro incerto
Os três filhos, de quatro, sete e nove anos, do refugiado afegão que, na terça-feira, matou duas mulheres e feriu à facada um homem no Centro Ismaili, em Lisboa, foram encaminhados provisoriamente para uma instituição. A decisão definitiva quanto ao seu futuro será tomada posteriormente, por um Tribunal de Família e Menores.
De acordo com informações recolhidas pelo JN, as crianças foram, na terça-feira, acompanhadas no centro religioso por pessoas com quem têm uma relação próxima, psicólogos e elementos da Segurança Social, tendo existido famílias da própria comunidade ismaelita que se ofereceram para acolher os menores em casa.
A solução passou, contudo, pelo encaminhamento dos meninos para uma instituição, onde poderão continuar em contacto com a comunidade e a frequentar o Centro Ismaili, mantendo as suas rotinas escolares.
Órfãos de mãe
O pai das crianças, de 34 anos, permanece internado no Hospital Curry Cabral, em Lisboa. Quando receber alta médica, vai ser apresentado pela Polícia Judiciária a um juiz de instrução e, dada a gravidade do crime, é expectável que fique desde logo privado de liberdade.
Já a mãe das crianças morreu há mais de um ano num campo de refugiados na ilha de Lesbos, na Grécia, por onde a família afegã passou antes de chegar a Portugal.
Abdul Bashir e os filhos residiam em Odivelas e tinham uma vida tranquila, sem sinais de problemas de integração. Os meninos, que têm familiares em vários países, estão a receber apoio psicológico.