Nem os criminosos escapam à pressão das redes sociais, do histrionismo e do exibicionismo. Por vaidade, protagonismo ou soberba, filmam-se a cometer delitos e não têm qualquer pudor em partilhar as imagens.
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Carros em excesso de velocidade, festas ilegais, consumo de drogas, exibição de armas, assaltos, burlas e até confissão de crimes em direto; tudo é filmado para todos verem. As autoridades estão atentas e não demoram a reagir. É só uma questão de tempo até o exibicionismo acabar na Justiça.
"A sociedade passou a ser uma passarela onde se ostenta tudo. Há que mostrar nas redes sociais que somos muito bons, seja na culinária, no desporto ou na parvoeira", explica Carlos Poiares, psicólogo forense e vice-reitor da Universidade Lusófona. Neste "campeonato da parvoíce", tudo é válido, incluindo exibir pequenos delitos e crimes para fazer parte deste ranking dos mais likes, dos mais vistos, dos mais amigos e seguidos. "É um histrionismo pleno", sintetiza.
Aplauso virtual
Os jovens partem em busca deste "aplauso virtual" e nem pensam nas consequências, ou, se pensam, desvalorizam-nas. "É prazer imediato, puro gozo", afirma Carlos Poiares. "As pessoas querem dar nas vistas e o crime é uma forma de dar nas vistas", acrescenta. Para o psicólogo, este tema deveria ser abordado na escola, por exemplo na disciplina de Educação para a Cidadania, para assim tentar afastar esta "moda que vai causar efeitos nefastos".
Uma das consequências deste exibicionismo e das suas repercussões mediáticas é a possibilidade de haver efeitos de imitação que levem outros a fazer o mesmo, ou até pior, para ter mais likes e subir no "ranking". E aqui os meios de comunicação têm responsabilidades. Ao passarem repetidamente estas imagens, mesmo que criticando-as, estão a dar-lhes palco. "Dissuade uns, assusta outros, mas também expõe as vantagens do crime", critica Carlos Poiares.
"Quando o objetivo é chamar a atenção, o melhor é não ligar. Se não tiverem os likes, eles calam-se", recomenda o professor universitário. Já as autoridades devem seguir o caminho contrário. "Atuar rapidamente e punir, até para passar a mensagem de que não há impunidade", indica Carlos Poiares. E estão precisamente a seguir essa rota, com equipas especializadas que "varrem" o espaço cibernético e são cada vez mais eficazes em detetar e investigar potenciais crimes publicitados nas redes sociais (ler texto na página seguinte).
A 180 km/hora na ruas de Tomar
Ainda na semana passada dois jovens que, em fevereiro, se tinham filmado a circular nas ruas de Tomar a 180 quilómetros por hora, foram identificados pela PSP, alertada por uma denúncia telefónica. Levaram três multas: uma por excesso de velocidade e duas por não usarem máscara.
Lisboa - "Lapo" reincide
Também este ano, o dono do restaurante "Lapo", no Bairro Alto, em Lisboa, desafiou o dever de confinamento e partilhou vídeos de repastos com dezenas de participantes no espaço. A PSP multou 13 pessoas. Dias antes, já tinha multado os organizadores de um protesto no mesmo local. E dias depois, alertados para um grupo que se preparava para entrar no espaço, os polícias travaram-nos e multaram seis pessoas.
Porto/Minho - Ladrões em direto
Em 2019, um trio extremamente violento semeou o terror na zona do Porto e do Minho. Isac, Rambo e Django terão cometido cerca 30 assaltos armados só num mês. Atacaram cafés, lojas e bombas de gasolina e fizeram vários carjackings. Partilhavam vídeos deles armados, dentro dos carros roubados e a caminho de assaltos. Todos acabariam detidos pela Polícia Judiciária, após uma troca de tiros.
Azambuja - Caçada chocante
Em plena época natalícia do ano passado, imagens de centenas de animais mortos começaram a circular à velocidade da luz nas redes sociais. Nas fotos, viam-se caras sorridentes com centenas de carcaças ensanguentadas de javalis e veados aos pés. O "massacre", como até alguns caçadores o classificaram, ocorrera na Herdade da Torre Bela e as imagens foram partilhadas pela própria empresa espanhola organizadora da montaria. O assunto ainda está sob investigação, mas a licença de caça da herdade já foi retirada pelo Ministério da Agricultura.
Youtube - Cursos a 400€
Através dos seus canais de YouTube, com muitos milhares de seguidores, grande parte dos quais menores de idade, vendiam cursos de investimento em ações e criptomoedas. Em troca de 400 euros e alguns pagamentos mensais por "dicas", prometia-se dinheiro fácil e rápido. Muitos, incluindo outros youtubers, viram aqui indícios de burla, lançaram uma petição pública e alertaram as autoridades. Mais de 14 mil pessoas assinaram e a Polícia Judiciária já está a passar a pente fino a atividade de vários youtubers, alguns dos quais já referenciados por promoverem sites de apostas sem licença.
Festa na cadeia de Paços de Ferreira
Música alta, pessoas a beber e a jogar cartas e até um bolo de anos numa mesa montada no centro de um pavilhão. Seria uma festa como tantas outras, não fora o facto de o aniversariante ser um traficante de droga e estar a decorrer no Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira. Ao longo do vídeo de 40 minutos transmitido, em direto, via Facebook, nunca se vê um guarda. O caso deu-se em fevereiro de 2019, mas três anos antes, na mesma rede social, já tinham sido publicados vários vídeos a mostrar dezenas de reclusos do Estabelecimento Prisional de Sintra numa festa com piza, música, "charros" e notas de 500 euros. Os vídeos foram gravados com vários telemóveis - proibidos nas cadeias - e publicados no Facebook, em perfis de vários reclusos. Vários dos envolvidos foram identificados, transferidos e sujeitos a processos disciplinares.
Confessa violação em Viseu
Já este ano, em direto no Instagram do humorista Fábio Alves, um jovem de Viseu admitiu ter violado uma rapariga e identificou-a. O vídeo chegou ao conhecimento da PSP de Viseu, que identificou o jovem, interrogou-o e apreendeu-lhe o telemóvel. A alegada vítima foi encontrada. Aparentemente, não terá havido qualquer violação, mas apenas a tentativa, rejeitada, de manter relações sexuais. O inquérito do MP prossegue.
Sintra - Joias da morte
Nos vídeos, o rapper Mota JR aparecia sempre ostentando anéis e colares de ouro e maços de notas. Era uma das suas imagens de marca, tal como o facto de cantar em crioulo de Cabo Verde. Mas a ostentação das joias foi fatal. Um grupo rival viu nele alvo fácil e decidiu montar uma emboscada para o assaltar. Foi raptado e espancado até à morte. Os suspeitos foram detidos e estão a ser julgados.
Guarda stripper de Vila nova de Gaia
Era cabo da GNR nos Carvalhos, Gaia, e também fazia uns biscates como stripper. A 4 de março de 2018, Dia da Mulher, fez quatro espetáculos em Viana do Castelo, Esposende, Esmoriz e Oliveira de Azeméis. Um dos locais publicou fotos da sua atuação e começaram os problemas. Foi suspenso e acusado de uso indevido de material de guerra por usar a farda e a arma de serviço na atuação. Em primeira instância, foi condenado a um ano e dez meses de prisão, mas acabaria absolvido pela Relação do Porto, que não deu como provado que a arma das imagens era a Glock atribuída pela GNR.
Pormenores
Como denunciar
Denúncias sobre crimes na Internet podem ser feitas para a PSP e a GNR através das redes sociais ou diretamente à Procuradoria-Geral da República (PGR) para: cibercrime@pgr.pt. O Ministério da Administração criou um Portal da Queixa Eletrónica - queixaselectronicas.mai.gov.pt - para facilitar o contacto com as autoridades policiais.
Queixas triplicam
Em 2020, o Gabinete de Cibercrime da PGR recebeu 544 denúncias, mais 351 do que em 2019. Do total recebido, 138 foram encaminhadas para a abertura de inquérito.