Seis arguidos do processo West Price foram ouvidos, esta terça-feira, no Tribunal de Sintra, onde compareceram 14 dos 20 acusados de centenas de crimes de burla, falsificação de documentos, abuso de poder, corrupção e fraude fiscal pelo Ministério Público. Em causa está uma rede que adulterou carros importados e que depois os pôs à venda em stands, burlando os clientes e o Fisco em 2,2 milhões de euros.
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O esquema, liderado por dois casais de Mafra e Torres Vedras, terá acontecido entre os anos de 2016 e 2020. Reduziam a quilometragem em mais de 100 mil quilómetros para valorizarem e venderem os carros a particulares em stands. No processo de importação dos veículos, que vinham da Alemanha, havia também fuga ao pagamento de IVA e de IRC e as vendas não eram declaradas. Os dois principais arguidos, Rui Henriques, que responde por 356 crimes e está em prisão preventiva, e o ex-sócio, Hugo Gomes, indiciado por 286 crimes, estiveram sentados no banco dos réus, mas optaram por não falar já, uma vez que ainda estão a preparar a defesa.
A lei obrigava-os a adquirir uma matrícula de exportação e um seguro para as viaturas que chegavam a Portugal sem matrícula, mas isso não era feito e os carros só eram legalizados depois de aparecer um comprador. Os clientes, sem saberem, eram dados como importadores, através da falsificação de assinaturas nos documentos oficiais. A legalização dos carros diretamente feita em nome dos clientes finais permitia escapar aos impostos.
Lúcia Costa, dona da Uva Trans, uma das três transportadoras que trazia os carros da Alemanha para Portugal e arguida neste processo, disse em tribunal que emitiu os CMR (guia de transporte) e faturas pedidas pelo stand Enzocars em nome dos clientes finais dos veículos "que nunca a contactaram" e que entregava os carros diretamente nos stands. Questionada pela juíza sobre a ilegalidade do que fez, explicou apenas que se limitava a responder ao pedido do arguido Rui Henriques, dono do stand Enzocars, sem o questionar.
"Mandou-me fazer o transporte e faturar. Tinha de faturar senão não recebia", sintetizou, acrescentando que "só os motoristas (dos camiões da transportadora) saberão dizer se os carros vinham "com a documentação toda" exigida por lei. "Não tinha acesso a essa parte", defendeu-se a arguida, que responde por cinco crimes de falsificação de documentos, em coautoria material e na forma consumada. Em resposta à procuradora do Ministério Público disse ainda que "não se recorda" de o dono do stand lhe pedir para alterar os CMR.
Cúmplices na Controlauto
A rede contava com a cumplicidade de quatro elementos do centro de inspeções Controlauto - Casalinhos de Alfaiata, também ouvidos esta manhã em tribunal. Segundo a acusação do Ministério Público, os inspetores "sabiam e permitiam que fossem retiradas ambas as chapas de matrícula da viatura, ou apenas a chapa de matrícula frontal no recinto do aludido centro de inspeções e, seguidamente, submetiam as viaturas a inspeção para atribuição de matrícula nacional, nessas condições, sem ostentar qualquer matrícula, bem sabendo ser tal obrigatório".
Nuno Henriques, inspetor de automóveis e diretor técnico do Controlauto, disse que "não atribuíamos qualquer importância à matrícula. Nem olhávamos". "Era uma prática recorrente neste e noutros centros", desvalorizou. Os outros três inspetores ouvidos também argumentaram que "estavam habituados a fazer inspeções assim" e que "a matrícula era irrelevante para este tipo de inspeção". A procuradora perguntou a um dos inspetores, Luís Ventura, se não estranhou estar a fazer inspeção para uma matrícula nacional quando o carro já a tinha, ao que o arguido respondeu que "não viu a matrícula".
Bate-chapas está arrependido
Ricardo Miranda, bate-chapas, foi o único a confessar os crimes pelo qual é acusado. Mostrando-se "muito arrependido", admitiu que removeu o "chassi" (número de identificação do veículo) de um reboque e gravou outro número que pertencia a um outro reboque de Rui Henriques que teria sido apreendido. "Sabia que era ilegal, mas não imaginei que passaria pelo que estou a passar. Estou muito arrependido", disse Ricardo Miranda em tribunal.
O julgamento prossegue na próxima segunda-feira, dia 2 de maio e, com duas dezenas de sessões já marcadas entre os meses de abril e setembro, prevê-se que dure até ao setembro. Entre os arguidos há ainda um militar da GNR, um despachante aduaneiro e empresários.