Mãe de João Silva não se conforma com a pena aplicada a homem que fugia com meio quilo de haxixe e matou o filho.
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"Tenho vergonha de viver num país onde não há justiça", atira Alexandrina Silva, lavada em lágrimas. O filho, João Silva, morreu há um ano, abalroado por Ricardo Dias numa fuga deste à GNR. Nesse dia, o mundo de Alexandrina parou: traja preto até hoje, deixou de trabalhar, não sai da cama, tão insuportável é a dor que traz no peito. À morte do seu "menino de ouro", a 4 de janeiro de 2022, seguiu-se o cancro do marido. E, agora, uma pena de três anos e dois meses para o "assassino". "Não é justo!".
João tinha-lhe ligado pouco antes do acidente. O jovem vivia há ano e meio com a namorada em Mindelo, Vila do Conde. "A Ana queria um hambúrguer. Ele nem é nada dessas comidas. Eu disse-lhe: "Filho, faz-lhe a vontade. Nem sempre, nem nunca". O que eu fui fazer". Alexandrina não contém as lágrimas. Pede desculpa. Ainda hoje pensa "e se...", farta de saber que não adianta. João ligou-lhe minutos depois. Já ia a caminho do McDonald"s.
No regresso, no cruzamento das ruas da Estação e do Pinheiro, junto à estação de metro de Mindelo, o Mercedes CLA de Ricardo Dias abalroou-lhe o Fiat Uno. Ricardo vinha em excesso de velocidade, em fuga à GNR. Não parou no sinal Stop. A patrulha da Guarda assistiu a tudo.
Perante a demora de João, a namorada e o pai saíram à procura. Em casa, Alexandrina pressentia "que tinha acontecido alguma coisa".
"Soube pela televisão que o meu filho tinha morrido. Fui para a rua, de pijama e descalça, aos gritos", recorda, para logo a seguir vaticinar: "Devia ser proibido um filho morrer antes da mãe".
Sentença "injusta"
Desde aquele dia que Alexandrina só saía da cama para ir ao médico. Na quarta-feira, foi ao tribunal ouvir a sentença. Foi um choque. A juíza bem disse que o crime foi "muito grave", mas a pena "foi muito pequena".
"Assassina uma pessoa e leva três anos? A Justiça está podre! Aquele homem é um monstro!", atira. Gritou. Chorou sem parar. Foi ao cemitério "pedir desculpa" a João por não conseguir "fazer justiça".
Ricardo Dias nunca lhe disse "nada". Ela não perdoa: "Se está tão arrependido e a sofrer, como disse em tribunal, porque é que nunca nos disse uma palavra? Não é um ser humano. Ele foi para casa, quentinho, e o meu filho está ali, no frio, debaixo da terra".
Alexandrina nunca quis falar publicamente do acidente. Agora, "pelo João", não cala a revolta. Vai recorrer da sentença. Ricardo Dias foi condenado por homicídio negligente na forma grosseira e tráfico de droga. O empresário da Maia levava meio quilo de haxixe e, por isso, fugiu à GNR. Aguardou julgamento em liberdade e continuará solto até decidir se recorre. Tem 15 dias para o fazer.
Alexandrina ouve os conselhos de quem lhe diz que tem o marido e outro filho para cuidar, mas, "e a saudade? E a dor?". Uma parte dela partiu com João e nunca mais vai regressar.