Assistente social admite que não presenciou "ameaça" que levou a retirada de crianças à mãe
Técnicas da Segurança Social começaram a ser julgadas, em Cascais, por terem alegadamente mentido no processo. Duas das meninas foram então entregues pelo tribunal a pai suspeito de violência doméstica.
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Uma das técnicas da Segurança Social que, esta quarta-feira, começaram a ser julgadas por terem, alegadamente, mentido ao propor a retirada de três crianças à mãe e a entrega de duas delas ao pai então suspeito de violência doméstica admitiu, em tribunal, que não presenciou o episódio que justificou aquela proposta. E garantiu que esta foi feita sob "orientação" do Ministério Público, ao qual terá relatado a situação. A medida acabaria mesmo por ser aceite e ordenada pelo Tribunal de Família e Menores de Cascais.
O caso remonta a 7 de dezembro de 2015, dia em que o pai das duas meninas mais novas deveria ter recolhido as filhas no infantário frequentado por uma delas, no concelho de Oeiras. Segundo a arguida, Sandra Baptista, à hora marcada, as crianças não tinham, porém, comparecido. Só mais tarde a mãe terá aparecido com duas das três filhas, numa altura em que o pai e as técnicas já se tinham ido embora.
Terá sido então que Sandra Baptista recebeu um telefonema do assistente social afeto ao estabelecimento de ensino. "Fui contactada pelo técnico de serviço social da escola a dizer que a mãe foi à escola e que a mãe estava absolutamente descontrolada, a deambular de um lado para o outro e a opor-se à entrega das crianças", relatou, esta quarta-feira no Tribunal Local Criminal de Cascais, a funcionária da Segurança Social, de 50 anos.
Num telefonema posterior, o assistente social do infantário terá informado que, entretanto, surgira no local "bastante preocupado" o proprietário de um café próximo "à procura de uma senhora" que tinha deixado "uma bebé" no estabelecimento. Seria a criança mais nova, que a mãe tem alegado que tinha ali ficado com uma pessoa conhecida.
Contexto tido em conta
De acordo com Sandra Baptista, a equipa a que pertencia decidiu então pedir "orientações" ao Tribunal de Família e Menores de Cascais quanto ao que fazer em seguida. Terá sido, garantiu, o Ministério Público daquele tribunal a sugerir a retirada das crianças, por estarem em perigo. "O Ministério Público pediu que fizéssemos um ofício a formalizar a situação", acrescentou.
No documento - assinado por Sandra Baptista e por Anabela Moura Vieira, também arguida - é referido que a mãe ameaçara "desaparecer com as crianças", ainda que o que lhe tenha sido relatado foi que a mãe dissera que o pai não voltaria a ver as filhas. É ainda salientado que a progenitora deixara a menina mais nova, à data com dois anos, "sozinha" no café. Em nenhum momento, as assistentes sociais ressalvam que não presenciaram a situação.
Esta quarta-feira, Sandra Baptista alegou que a proposta então feita se baseou no histórico da mãe, que, no mês anterior, teria impedido as filhas de estarem com o pai. "A mãe não esperava que este encontro se realizasse e é isto que a faz perder o controlo", defendeu, lembrando que os processos disciplinares instaurados pelos Segurança Social foram todos arquivados, tendo o procedimento sido validado.
O julgamento prossegue esta quarta-feira à tarde, com o depoimento da mãe das meninas, Ana Maximiano, que em 2016 fez uma greve de fome para denunciar o caso. Em 2019, recuperou a guarda da filha mais velha e, em dezembro de 2021, a das duas meninas mais novas. O pai destas, com quem residiram desde dezembro de 2015 até então, foi, nesse período, condenado pelo crime de violência doméstica do qual já era suspeito à data da retirada.
Anabela Moura Vieira e Sandra Baptista respondem por falsidade de depoimento ou declaração e de negação de justiça ou prevaricação, incorrendo em pena de multa ou de prisão. Arriscam ainda ser obrigadas a indemnizar Ana Maximiano, a par do Instituto da Segurança Social, em 600 mil euros. A decisão será do tribunal, em data ainda a definir.