Duas técnicas da Segurança Social começam esta semana a ser julgadas, em Cascais, por terem alegadamente mentido, ao propor, em 2015, que duas crianças fossem retiradas à mãe.
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A decisão levou a mãe das meninas, Ana Maximiano, a fazer, no ano seguinte, uma greve de fome. Quase seis anos depois de duas crianças terem sido retiradas à mãe e entregues ao pai, já então investigado por violência doméstica e entretanto condenado a pena suspensa, começa o julgamento.
As crianças, à data com dois e três anos, residem ainda hoje com o progenitor e a avó paterna, apesar de a mãe garantir que são maltratadas por estes familiares. Uma outra filha de Ana Maximiano (meia-irmã das meninas) que, em 2015, foi entregue ao pai no âmbito da mesma situação regressou, em 2019, a casa da mãe: a madrasta, com quem também morou até então, está a ser investigada pelo Ministério Público (MP) por presumivelmente a ter agredido e obrigado a dizer à polícia, falsamente, que a mãe lhe batera.
O caso remonta a 7 de dezembro de 2015, quando o pai de B. e M., Tiago A., se deslocou ao infantário da filha mais velha, no concelho de Oeiras, para que as meninas, à data à guarda da mãe, passassem, pela primeira vez, a noite em sua casa. Ana Maximiano estava num café próximo com a mais nova e foi alertada para a presença do ex-companheiro pelo dispositivo eletrónico que visava assegurar, no âmbito do inquérito de violência doméstica então em curso, que Tiago A. não se aproximava de si. Decidiu ir ter com ele.
É a partir daqui que a versão de Ana Maximiano e de outras pessoas presentes no local diverge da apresentada pelas técnicas que, na próxima quinta-feira, começam a ser julgadas por falsidade de depoimento ou declaração e denegação de justiça e prevaricação. No ofício remetido no mesmo dia ao Tribunal de Cascais, Anabela Moura Vieira garantiu, baseada em informação prestada por Sandra Baptista, que a mãe deixara a filha mais nova sozinha no café e ameaçara "desaparecer" com as meninas. Ana Maximiano terá, em contrapartida, deixado B. no estabelecimento comercial com uma pessoa da sua confiança e dito aos agentes da PSP chamados ao local que não queria que Tiago A. levasse M. consigo, porque fugiria com a criança.
inquérito arquivado e reaberto
Inicialmente, o Ministério Público arquivou o inquérito, sustentando que as duas técnicas - nenhuma delas testemunha dos factos - ficaram, dos relatos que lhe foram feitos, com a "perceção" de que B. fora deixada sozinha no café, tendo, nesse contexto, uma expressão proferida por Ana Maximiano induzido em si "o fundado receio" de que a mãe das meninas "pudesse atentar contra a liberdade ou até a integridade física das menores". Na instrução, o desfecho foi semelhante, mas, em janeiro de 2020, o Tribunal da Relação de Lisboa reverteu a decisão e mandou julgar Anabela Moura Vieira e Sandra Baptista.
No acórdão, os juízes concluem que a suposta ameaça de Ana Maximiano "não foi levada a sério" pelas técnicas e que "há fortes indícios de que os dois fundamentos invocados para a retirada" não correspondiam à realidade. "Independentemente de se manter a medida de entrega das crianças ao cuidado do pai [...], o facto é que a retirada das crianças foi inopinada, [...] injustificada e contra a lei. Tudo isto causa, obviamente, sofrimento em quem se viu afastado das suas filhas", sublinham.
Defesa convicta de inocência
Ao JN, a advogada das arguidas, Rita Travassos Pimentel, manifestou "absoluta convicção sobre as razões" apresentadas pelas clientes para justificar a sua atuação.
Advogado da mãe já aponta ao TEDH
Já o mandatário de Ana Maximiano, Gameiro Fernandes, não acredita que, decorrendo em Cascais, o julgamento termine numa condenação e aponta já ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) para um eventual recurso. O representante de Tiago A. não respondeu, em tempo útil, às questões formuladas.