O Tribunal de Lisboa condenou, esta sexta-feira, ao pagamento de uma multa de 600 euros cada uma das três ativistas climáticas que, a 4 de outubro deste ano, 2023, pararam o trânsito na Rua de São Bento, em Lisboa.
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No julgamento sumário, as três jovens, de 22 anos, mostraram-se arrependidas de se terem manifestado à margem da lei e garantiram que não vão voltar a praticar atos similares. Uma atitude que, a par do facto de estarem integradas socialmente e não terem antecedentes criminais, levou o juiz Afonso Dinis Nunes a aplicar a pena mínima pela prática de um crime de atentado à segurança do transporte rodoviário: um ano de prisão, substituído por multa.
O valor foi calculado de acordo com os rendimento das arguidas, duas das quais estudantes.
O caso foi o primeiro das recentes ações de corte de trânsito promovidas pela Climáximo, em Lisboa, a chegar à tribunal. Apesar disso, só uma das três arguidas pertence àquele coletivo, sendo as restantes apenas simpatizantes do movimento.
De acordo com o que ficou demonstrado no julgamento, as três jovens sentaram-se durante 20 minutos, pelas 8.35 horas de 4 de outubro, numa passadeira na Rua de São Bento, envergando faixas e t-shirts a alertarem para as alterações climáticas, depois de não se terem conseguido manifestar em frente à Assembleia da República, localizada a poucos metros.
Na leitura da sentença, Afonso Dinis Nunes reconheceu que o trio tem o direito constitucional a manifestar-se, mas sustentou que "o direito de livre circulação tem de prevalecer sobre o direito de manifestação", por, ao ser restrito, "poder impedir" o exercício de outros direitos, nomeadamente ao trabalho e à saúde.
"Bastava colocarem-se apenas nos passeios que ladeiam a via de circulação rodoviária. É irrelevante [para efeitos penais] que o efeito [da manifestação] se esbatesse", salientou.
O magistrado descartou ainda a tese da defesa de que, para que existisse um crime de atentado à segurança rodoviária, a ação de protesto tinha de ter posto alguém em perigo. Em causa, justificou o juiz, está uma alteração legal de 2009 que explicitou que, para que aquele ilícito seja praticado na sua forma simples, basta a colocação de um "obstáculo" à circulação.
Aviso prévio só com mais de três
As três ativistas climáticas foram, paralelamente, absolvidas de um crime de desobediência qualificada, por não terem comunicado previamente às autoridades a realização da manifestação. No seu depoimento, duas das arguidas afirmaram desconhecer essa obrigatoriedade, enquanto a terceira disse ter julgado que, neste caso, tal não era necessário.
O argumento foi parcialmente corroborado por Afonso Dinis Nunes, cujo entendimento é de que o "aviso" previsto na lei "só deve ocorrer quando a manifestação compreende um número de pessoas superior a três".
"O decreto-lei [datado de 1974] está desatualizado. Surgiu com a questão do Movimento das Forças Armadas e foi criado quando havia grandes manifestações. Em 49 anos, não houve mexidas neste diploma legal", lamentou o juiz
No final, Afonso Dinis Nunes avisou ainda as jovens se, ao contrário do que asseguraram, voltarem a fazer ações semelhantes à da Rua de São Bento e "tiverem o azar" de serem julgadas por si, tal será considerado "um desrespeito" e a pena será mais pesada.
"Podem defender as vossas causas [...]. A vossa consciência permite-vos concluir se a vossa atuação é ou não crime", concluiu o magistrado.
No seu depoimento, Eva Falcato desabafara, citada pela Lusa, que, ao mesmo tempo que está "arrependida", está a "tentar perceber o direito à manifestação". "Estamos em crise climática e eu continuo a achar estranho que isto seja crime", explicou.
A decisão é ainda passível de recurso.