Compraram veículos em stand de Vila do Conde julgando estar a pagar também pelas baterias. Mas a financeira do grupo Renault diz que são alugadas.
Corpo do artigo
As baterias de mais de uma centena de carros elétricos de particulares, de empresas e até de câmara municipais foram bloqueadas do dia para a noite. Os carros são Renault Zoe usados, que foram importados e revendidos no stand E-Drive, de Vila do Conde. Também têm fatura de "viatura sem aluguer de bateria" e registo de propriedade sem reservas, mas, agora, não andam.
A financeira RCI (do grupo Renault e entretanto rebatizada Mobilize Financial Services) invoca contratos de aluguer das baterias celebrados no estrangeiro. Por seu turno, o concessionário E-Drive diz que "o contrato cessa com a exportação". No Portal da Queixa multiplicam-se denúncias de quem pagou por um carro que agora não trabalha. E há queixas na Justiça. A alegada burla está já a ser investigada pela Polícia Judiciária.
Carla Quadrado comprou o carro em agosto de 2021. Um Renault Zoe elétrico com dois mil quilómetros e, garante a fatura, "sem aluguer de bateria". Pagou cerca de 20 mil euros. Tudo funcionou bem até 22 de dezembro de 2022. Neste dia, a fisioterapeuta de Fernão Ferro (Seixal) foi trabalhar e, ao chegar ao carro, encontrou uma mensagem de erro: "Carga bloqueada". A bateria do Zoe nunca mais carregou.
As histórias repetem-se. Muda a data, mas o "filme" é o mesmo: a E-Drive manda os queixosos ligarem para a Mobilize. Do outro lado, a financeira acena com um contrato de aluguer de baterias, celebrado no país de onde foi importada a viatura (nuns casos a França, noutros a Alemanha), celebrado com a Famaburgo (que importa os carros e os vende, depois, à E-Drive) e cuja morada é a mesma do stand de Vilar (Vila do Conde).
Carla pagou o carro à E-Drive "a pronto" - nunca tinha sequer ouvido falar da Mobilize - e tem-no parado há três semanas. Mas há quem já esteja há ano e meio a tentar resolver a situação. São 80 lesados, alguns com vários carros parados e, entre eles, estão pelo menos duas câmaras: a de Vila Pouca de Aguiar e a de Oliveira do Bairro.
Compra mais barata
Na compra de um Zoe, o aluguer de baterias significava uma diferença de oito a dez mil euros, num modelo de comercialização que foi abandonado em 2019. Baterias próprias e preço mais baixo foi o que levou todos a optarem pelo E-Drive, incluindo as duas autarquias, que realizaram concursos públicos e compraram duas viaturas cada, por 45.300 e 46.700 euros mais IVA, respetivamente. Agora, o "bom negócio" deixa de compensar.
Alberto Ramalho, o dono do stand E-Drive, garante que os carros que vendeu "não têm aluguer de baterias em Portugal". Já a Renault admite que têm, de facto, sido reportadas "diversas queixas". A fabricante francesa garante ser "alheia" à situação e pede cautela aos clientes.
7 mil para "legalizar"
O certo é que os carros não andam, e a resolução imediata do "imbróglio" sairia cara a quem precisa do carro para o seu dia a dia: o aluguer das baterias, no caso dos Zoe 40 e 50, significa uma mensalidade entre os 69 e os 119 euros; e a sua aquisição custa, no mínimo, sete mil euros. O que levou a maioria a optar pela compra no stand E-Drive foi uma poupança de mil a três mil euros, relativamente aos preços da "concorrência".
"Os penalizados somos nós, que temos os carros parados. Alguém está a ganhar dinheiro - e muito - com isto", protesta Rita Pinho, também ela burlada.
Ferramenta online permite saber se as baterias são alugadas
O número de clientes enganados na compra de Renault Zoe levou a financeira Mobilize Financial Services (ex-RCI) a disponibilizar uma ferramenta online (https://mobilize-fs.pt). Com o VIN - número de identificação do veículo, sabe-se em segundos se este tem baterias próprias ou alugadas. Além da busca, o site permite a compra ou a celebração de novo contrato de aluguer da bateria. Funcionalidades que são extensivas a outros modelos da marca, como o Twizy ou o Kangoo.
Três casos
Stand pediu bloqueio
O carro de Rita Pinho tem a bateria bloqueada desde dezembro. Em 2021, pagou por ele 24.700 euros. Na fatura diz "viatura sem aluguer de bateria". A E-Drive sacode responsabilidades. Mas a Mobilize invoca o contrato de aluguer e diz que "foi própria E-Drive que solicitou o bloqueio", para não continuar a pagar renda. A enfermeira, com dois filhos pequenos, precisa do carro para trabalhar.
Contrato estrangeiro
João Almeida criou um grupo de 50 lesados. Foi dos primeiros bloqueados. Tem um documento a provar que o aluguer da sua bateria migrou de uma empresa francesa para a Famaburgo, empresa ligada a Alberto Ramalho com a mesma sede da E-Drive. Ramalho intentou uma ação a impugnar o bloqueio. Perdeu. Para poder andar, João teve de alugar a bateria. Perdeu cinco mil euros.
Queixas no DIAP
Carlos Martins comprou um Zoe em 2020, por 25 mil euros. Descobriu, já em 2021, que as baterias eram alugadas. Na fatura constam como "incorporadas" e "sem aluguer".
Um amigo, Luís Cruz, viu a bateria bloqueada. Queixaram-se ambos à Justiça. Luís foi ouvido na PJ "há um ano". O carro continua parado.