Uma máfia da África Ocidental, autointitulada Black Axe e conhecida das autoridades por burlar informaticamente pessoas em todo o mundo, tem usado Portugal, onde também fez vítimas, para branquear, com recursos a "mulas de dinheiro", parte dos lucros dos crimes.
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Só no final de maio de 2023, uma operação da Polícia Judiciária (PJ) no âmbito da Interpol, divulgada esta sexta-feira, culminou na apreensão de cerca de 1,4 milhões de euros e no congelamento de 50 contas bancárias em território nacional.
Na ação, foram ainda detidas 31 pessoas, incluindo 17 portugueses, e identificados 48 suspeitos. Entre os indivíduos capturados, estão um elemento "próximo" de um dos líderes da Black Axe ("machado negro", em inglês) e vários "angariadores" de "money mules", ("mulas de dinheiro", em inglês).
No total, foram, a nível mundial, detidos 103 cidadãos, identificados 1110 suspeitos, apreendidos 2,15 milhões de euros e bloqueadas 108 contas bancárias no âmbito da operação JACKAL, na qual participaram 21 países.
"A estrutura [do grupo] era muito bem definida, com co-líderes, com os chamados criminosos profissionais e técnicos que estavam na base dos crimes cometidos, os chamados angariadores de vítimas e angariadores também das chamadas 'money mules' e também um grande número deste [último] tipo de criminosos", sublinhou esta sexta-feira em conferência de imprensa, em Lisboa, o diretor da Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime e à Criminalidade Tecnológica (UNC3T) da PJ, Carlos Cabreiro.
Além do recurso a "mulas" - que disponibilizam as suas contas para receber o dinheiro obtido ilegalmente pela organização - e da criação de "empresas de fachada", a Black Axe recorria ainda a "sistemas internacionais para remessa de fundos", casinos e casas de apostas online e criptoativos para "lavar" os lucros das burlas informáticas.
"Cartas da Nigéria"
Entre os esquemas mais usados pela organização mafiosa, está a chamada "CEO fraud" ("fraude do diretor executivo", em inglês) ou "business fraud" ("fraude de negócios", em inglês), na qual os burlões se fazem passar por um executivo de uma empresa.
Na prática, os criminosos começam por criar endereços de correio eletrónico extremamente semelhantes aos originais, com o objetivo de se intrometerem nas comunicações empresariais entre duas entidades. Uma vez na posse de informação confidencial, usam documentação adulterada para convencer os funcionários dessas empresas a alterarem os dados de pagamento, acabando as transferências por serem feitas, inadvertidamente, para contas bancárias tituladas por burlões.
Na maior parte dos casos, o dinheiro é dissipado quase de imediato, de modo a travar a devolução dos montantes quando tal é solicitado pelas vítimas.
A burla dos "dólares negros" - na qual os destinatários se convencem de que é possível multiplicar notas em casa usando apenas uma solução química - e das "cartas da Nigéria" são outros dos estratagemas mais comuns. Esta última, nascida na década de 1990, é atualmente feita por e-mail, acreditando as vítimas, erradamente, que estão a fazer um negócio bastante lucrativo com um alto signatário de um país africano.
Existe há décadas
Para o diretor do Centro de Crime Financeiro e Anticorrupção da Interpol, citado num comunicado da agência, a operação JACKAL "envia uma mensagem forte às redes criminosas da África Ocidental de que, independentemente de onde se escondam no ciberespaço, a Interpol vai persegui-las implacavelmente".
"As atividades ilegais da Black Axe e organizações criminosas similares vão continuar a ser uma prioridade para a Interpol", acrescentou Isaac Kehinde Oginni.
De acordo com uma investigação de 2021 da "BBC", a Black Axe tem raízes num movimento estudantil que, na década de 1970, nasceu na Universidade de Benin, na Nigéria, inspirado pela luta anti-Apartheid na África do Sul. A organização estudantil, que ainda hoje existe, rejeita qualquer ligação entre ambos e garante que a máfia é composta por dissidentes, mas autoridades policiais internacionais defendem que continuam a estar associadas.
Os principais recrutas da Black Axe - encarada localmente como uma seita - são estudantes universitários do sexo masculino, que, para aderirem à máfia, passam por um ritual de iniciação extremamente violento. Os assassinatos fazem parte da cultura da organização - em guerra com "seitas" rivais -, mas as fraudes são a sua principal fonte de rendimento.
Atualmente, o gangue está presente em todo o mundo.