Confinamento e multiplicação de grupos criminosos explicam aumento das queixas. Média de participações diárias era de seis no período homólogo de 2019.
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O confinamento imposto pela pandemia colocou as famílias em casa, resguardadas da covid-19, mas deixou-as mais expostas aos perigos da Internet. As burlas com a aplicação MB Way, um sistema de pagamento que funciona através do telemóvel, explodiram. Enquanto que em 2019 as autoridades registaram 2179 queixas, no ano passado houve 11 936, passando de uma média de seis casos por dia para 33. O aumento, de 550%, é um recorde e explica-se, essencialmente com dois fatores. Desde logo, o confinamento, mas também a multiplicação de grupos criminosos dedicados a este tipo de burla.
Na base dos diversos esquemas de embuste com MB Way está sempre o desconhecimento das vítimas relativamente ao funcionamento desta aplicação. Através de simples contactos telefónicos, os criminosos convencem as vítimas a associar os seus cartões bancários aos números de telemóvel fornecidos pelos burlões, que ficam com o controlo das contas e fazem movimentos com efeito imediato e sem possibilidade de serem revertidos.
Nas últimas semanas, têm surgido novos métodos, mas no ano passado as vítimas eram, regra geral, enganadas depois de colocarem um anúncio a publicitar a venda de bens ou a prestação de serviços. Por telefonema ou mensagem, os burlões dizem estar interessados no negócio e pedem à vítima para aceitar o pagamento através de MB Way.
Se se aperceberem de alguma insegurança no uso da aplicação, os criminosos oferecem-se logo para explicar, passo a passo, os procedimentos a adotar e solicitam aos vendedores que se desloquem a uma ATM. Depois, pedem-lhes que introduzam o seu cartão multibanco e selecionem a opção MB Way, inserindo um número de telemóvel e um código por eles indicados, convencendo-os de que essa é a única forma de receberem o dinheiro na sua conta bancária.
Até acabar o saldo
"Sem se aperceberem, [as vítimas] estão desta forma a associar o número de telemóvel do suspeito aos seus cartões bancários, permitindo o controlo do mesmo através da aplicação. A partir deste momento, são efetuadas transferências bancárias e levantamentos em numerário nas ATM até que o saldo o permita. As vítimas apenas se apercebem de que foram burladas quando vão consultar o saldo ou são contactados pela sua entidade bancária", explicou ao JN fonte da PSP, que registou 609 burlas em 2019 e 3284 no ano passado.
A GNR, que passou de 570 participações em 2019 para 1652 em 2020, alerta para outro tipo de situações. "Numa outra abordagem, depois de conseguir que a vítima aceite receber o valor por MB Way, o burlão seleciona, na sua aplicação, a opção "Pedir dinheiro", em vez de selecionar a opção "Enviar dinheiro". A vítima, desconhecendo em pormenor o funcionamento da aplicação e encontrando-se a aguardar o envio do dinheiro, é informada pelo suspeito de que já fez a transferência e de que só tem de aceitar. Ao selecionar a opção aceitar, a vítima acaba burlada", adiantou fonte da GNR ao JN.
Pandemia e multiplicação
Tanto a PSP como a GNR atribuem a explosão de casos de burla ao confinamento imposto pela pandemia. "Registou-se um pico de denúncias destes crimes, coincidente com o primeiro confinamento, durante o qual a população fez as suas compras, especialmente, através de plataformas digitais. Após esse pico, verificou-se uma constante nas denúncias até meados de junho, após o qual houve um decréscimo abrupto", explicou fonte da PSP.
Para a Polícia Judiciária (PJ), que viu multiplicados por sete, no ano passado, os mil casos que registara em 2019, o confinamento explica apenas em parte o aumento. "A pandemia terá o seu efeito, mas o modus operandi passou a ser mais conhecido e os grupos multiplicaram-se", adianta fonte da Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime e à Criminalidade Tecnológica da PJ.
Novos métodos sempre a surgir
Tradicionalmente, os burlões selecionavam as vítimas em sites de anúncios, mas agora vão à procura delas. Fazem-se passar por funcionários da EDP ou até da própria aplicação MB Way.
Há poucos dias, a Polícia Judiciária (PJ) deteve dois cidadãos argelinos, de 27 e 28 anos, que sacaram cerca de 130 mil euros, em burlas com a aplicação. Lesaram 170 vítimas a quem enviaram e-mails fraudulentos, fazendo-se passar por funcionários do sistema de pagamento digital, para obter as suas credenciais secretas.
Nas mensagens, que ostentavam siglas da MB Way, era pedida a introdução de dados das vítimas, a pretexto da atualização de dados e ativação do serviço e alegando que o mesmo seria desativado se não houvesse resposta. Os visados não sabiam que a MB Way nunca manda e-mails. Obtido o controlo das contas bancárias, os dois indivíduos compravam equipamento informático e de telecomunicações, material desportivo e perfumes.
Ao que tudo indica, vendiam depois os artigos em sites de anúncios. Segundo o que o JN apurou, os dois cidadãos argelinos chegaram a território nacional em outubro do ano passado, quando começaram a ser enviados os e-mails fraudulentos. Ter-se-ão instalado na Grande Lisboa com o único propósito de burlar e já estão em prisão preventiva.
Créditos a receber
Outra nova forma de atuar foi detetada pela PSP, em meados de março. Três homens e duas mulheres levaram gestores, empresários e comerciantes de todo o país a acreditar que tinham créditos a receber da EDP relativos a faturas antigas de energia elétrica. Pelo telefone fizeram 85 vítimas, que convenceram a usar a MB Way para receber os valores. O grupo tinha dois líderes, residentes em Gaia. Foram detidos pela PSP, que estima os lucros obtidos com o esquema em meio milhão de euros. Os outros implicados eram testas de ferro que aceitaram servir de "mulas de dinheiro".
As vítimas eram selecionadas de forma aleatória, sem olhar a regiões. No caso dos comerciantes, os indivíduos incitavam-nos a proceder de imediato à introdução de códigos e outros dados, através do terminal MB Way dos próprios estabelecimentos.
Os códigos possibilitavam três tipos de operações bancárias: davam acesso total às contas das vítimas, o que permitia aos criminosos movimentar valores indiscriminadamente; ordenavam transferências imediatas e únicas de valores que iam parar às contas dos testas de ferro, ou faziam carregamentos em sites de apostas internacionais que eram usados pelos criminosos.
Conselhos
Se não compreende o funcionamento das aplicações de pagamento à distância (como o MB Way), recuse fazer operações por esta via.
Os bancos não solicitam, telefonicamente ou por e-mail, que adicione à sua conta bancária um número de telemóvel que não é seu ou não conhece.
Nunca siga instruções de desconhecidos para fazer pagamentos à distância. Ao fazê-lo, está a dar acesso e controlo sobre a sua conta bancária. Caso seja contactado neste sentido, deverá de imediato avisar o seu banco.
Em caso de dúvida, solicite informação ao seu banco sobre o funcionamento da aplicação antes de a utilizar.
Tente sempre fazer os negócios de forma presencial, tal como os pagamentos. Use em alternativa a transferência bancária.
Desconfie de negócios que lhe pareçam muito vantajosos para si e verifique o extrato da sua conta bancária regularmente.
Recolha o máximo de informação possível sobre o comprador recorrendo, por exemplo, a pesquisas no Google ou nas redes sociais.
Nunca forneça dados confidenciais ou pessoais como resposta a mensagens de correio eletrónico, por sms ou telefonicamente, mesmo que a origem aparente ser legítima.