Dos 28 homicídios domésticos em 2022, sete não aconteceram entre casais. Não há "melhorias significativas", admite a procuradora-geral.
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Sete dos 28 homicídios ocorridos no ano passado em contexto de violência doméstica ocorreram entre pais e filhos e, num caso, entre um neto e uma avó. Em causa estão, por norma, "situações-limite" num ambiente de conflitos prolongados e, mais ocasionalmente, os chamados "homicídios por piedade". Os restantes 21 assassinatos registados em 2022 envolveram casais ou ex-casais.
A procuradora-geral da República, Lucília Gago, defende que o "caminho" de combate que tem sido adotado desde 2019 é o "correto", mas admite que os resultados têm ficado aquém do esperado.
O balanço consta de um discurso recente da líder máxima do Ministério Público e indica que, em 2022, foram feitas mais de 35 mil denúncias por violência doméstica, tendo-se contabilizado, a 30 de setembro, 853 mulheres, 706 crianças e 15 homens a residir em casas de abrigo. Simultaneamente, 989 suspeitos estavam impedidos de contactar as vítimas e 251 sujeitos a prisão preventiva.
"E, ano após ano, estes dados persistem. Sem melhorias significativas", lamentou, a 20 de janeiro, Lucília Gago, considerando "fundamental que se adotem procedimentos distintos dos atuais para que haja uma alteração do paradigma de análise e de estratégia investigatória". A expansão territorial das secções especializadas instituídas em 2019 e a aposta numa maior compreensão dos fatores de risco de um eventual homicídio no futuro foram algumas das medidas que defendeu.
Mais de 100 mortes desde 2019
No total, morreram, entre 1 de janeiro de 2019 e 31 de dezembro de 2022, 118 pessoas em contexto de violência doméstica: 93 mulheres, 16 homens e nove crianças. Os anos mais negros foram 2019 e 2020, com, respetivamente, 35 e 32 vítimas. Já em 2021, morreram 23 pessoas, menos cinco do que no ano passado. A maioria dos crimes registou-se em contexto conjugal - uma preponderância que tem escondido o número significativo de homicídios filioparentais.
Carla Ferreira, da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), sublinha ao JN que, apesar de "ser menos retratado", o fenómeno "não é novo". Em 2021, tinham sido, com base na Imprensa, oito situações e, em 2020, dez, similares às sete registadas em 2022 pela Procuradoria-Geral da República, a partir de dados da Polícia Judiciária.
"São situações-limite, que acontecem, muitas vezes, em contexto de conflito, de desavenças dentro da família, em contexto de violência doméstica", explica a gestora da Rede de Apoio a Familiares e Amigos de Vítimas de Homicídio da APAV. Há ainda casos de filhos que matam os pais (e vice-versa) porque "entendem que é uma forma de pôr fim ao sofrimento por que aquela pessoa está a passar".
O contexto é heterogéneo e, por isso, Carla Ferreira apela à sociedade que denuncie às autoridades situações de violência. "A ideia é travar este [conflito] contínuo, antes que chegue a um desfecho de crime de homicídio". As vítimas dispõem também de linhas de apoio, incluindo o 116 006.
Queixas à PSP da generalidade dos crimes têm descido
De 1 de janeiro de 2010 a 31 de dezembro de 2021, a PSP recebeu, incluindo nos espaços especializados em violência doméstica, mais de dois milhões de denúncias de todos os crimes. Os dados - divulgados no âmbito do Dia Europeu das Vítimas de Crime, que hoje se assinala - mostram que o ano com menos criminalidade participada foi 2020, com 141 962 queixas. No extremo oposto está 2010, com 207 960 denúncias. Não obstante ligeiras oscilações, a tendência da última década tem sido, de resto, de descida anual do número de queixas.
Casos em 2022
Vítima matou filho
Uma mulher de 51 anos matou à facada o filho, de 20, no Vale da Amoreira, na Moita, poucos dias antes do Natal. Segundo os vizinhos, a agressora seria vítima de violência doméstica.
Esfaqueou bebé
Um bebé de um ano foi esfaqueado até à morte pela mãe, de 23 anos, em Porto Covo, Sines, em novembro. Depois de cometer o crime, a mulher saiu de casa e gritou: "O Diabo está ali. Já o matei!"
Asfixiou a avó
Em junho, um homem de 31 anos asfixiou a até morte a avó, de 78, em Seia. A recusa da idosa de dar dinheiro ao neto, toxicodependente, para comprar droga terá originado o conflito, que duraria há já algum tempo.