Rui Mesquita Amorim, 50 anos de idade e 43 de condenações por crimes violentos e droga, está prestes a conhecer sentença por homicídios de "Trico" e de testemunha. Tribunal de júri reúne-se esta quinta-feira para decidir o seu futuro. Os corpos dos últimos dois homens que é acusado de ter matado nunca apareceram.
Corpo do artigo
Matou os tios e um primo em 1995. Julgado, foi condenado a 20 anos, na altura pena máxima. Já preso, foi suspeito de mais dois homicídios ocorridos na cadeia de onde fugiu para cometer três raptos, um crime de extorsão e múltiplos de tráfico de droga, negócio que ainda dirige a partir da prisão. Atualmente a ser julgado por mais dois homicídios, cometidos, segundo o Ministério Público, durante uma saída precária, em junho de 2018, na próxima segunda-feira um tribunal de júri do Porto deverá decidir se o facto de se ter livrado dos corpos destas últimas vítimas é suficiente para o absolver.
12402855
Chama-se Rui Mesquita Amorim, é de Viana do Castelo e aos 50 anos de idade conta com 43 anos de condenações, por crimes sobretudo violentos nos quais sobressai o seu desprezo pela vida humana. As mais de quatro décadas de condenações foram por homicídios, raptos e tráfico de drogas.
Em causa estão, no processo prestes a ser decidido, os assassinatos de Fernando Borges ("Trico"), que ficou conhecido na última metade da primeira década por liderar o "gangue de Valbom", um grupo violento condenado por assaltos armados e tentativa de assassinato de um inspetor da Polícia Judiciária. A outra vítima é Eduardo Costa, um indivíduo condenado por homicídio, com a particularidade de padecer de deficiência mental que fazia dele alguém especialmente manipulável. Os três conheceram-se na cadeia.
Do julgamento resultou claro que Amorim tinha, há muito, negócios de droga com o "Trico". Era este quem lha fornecia e ele transacionava, dentro do presídio e nas ruas. Mas houve uma altura em que Amorim foi "roubado". Alguém o tinha desapossado de 600 mil euros e ele atribui a autoria a "Trico". A partir daí, diz quem conhece Amorim, o ex-líder do gangue de Valbom passou a ter os dias contados
Não foi por acaso que em tribunal depôs um recluso a quem Amorim, por volta de 2016, tentou contratar para assassinar alguém que não identificou, porque o homem não aceitou a mortal tarefa. Essa mesma testemunha, a quem dois dias antes do desaparecimento de Trico, Amorim tentou comprar munições, disse no julgamento que quando leu as notícias do desaparecimento de "Trico" ficou imediatamente convencido que era ele a pessoa que Rui Amorim queria eliminar desde há dois anos.
10630215
A segunda vítima
Eduardo Costa estava a cumprir pena por homicídio e, tal como "Trico", foi na cadeia que conheceu Amorim. Este rapidamente o transformou no seu "faz tudo", situação que durou até princípios de 2018, altura em que Eduardo é posto em liberdade. Mas Amorim não o esquecera. Telefonou-lhe a 1, 2 e 3 de julho de 2018, pedindo-lhe que o fosse ajudar "num biscate" na zona de Viana do Castelo. Telefonemas, testemunhas e imagens dão conta desses encontros. E qual seria o biscate? Da conjugação da prova resultou que Amorim precisou de baralhar pistas porque todas as existentes o apontavam como responsável pelo desaparecimento de "Trico". Eduardo tê-lo-á ajudado. Senão a dar sumiço ao corpo de "Trico", pelo menos a dar voz ao pedido de resgate, feito por telefone, na manhã de 3 de julho, à mulher do desaparecido. Era preciso simular um rapto, pedir um resgate de 115 mil euros e dar uma semana para pagar. Cláudia, cujo coração dizia que o marido já era cadáver, pede uma prova de vida e o interlocutor - pelas características bem peculiares da voz, era Eduardo - diz que liga mais tarde. Até hoje.
Também até hoje, Eduardo nunca mais apareceu. Saiu de casa da mãe ao início da manhã do dia 3 de julho, avisando-a de que ia, outra vez, ter com Amorim. Vestia roupa de trabalho e levava no bolso três euros e um "andante". Tornara-se numa "ponta solta", a única, do diabólico plano urdido e levado a efeito por Amorim. Não fora a sua deficiência, teria percebido que ao colaborar estava condenado.
Dotes premonitórios
Rui Mesquita Amorim, catalogado por polícias e criminosos como "perigosíssimo", sempre se recusou colaborar na resolução do caso. Logo no início, a 2 de junho de 2018, quando Bianchi, co-líder do gangue de Valbom, com mais uma quinzena de homens, o rapta e agride violentamente para o obrigar a revelar o que fizera a "Trico" - conseguiu fugir quando o carro onde seguiam foi obrigado a parar por causa de um acidente na estrada - nunca denunciou os raptores, falando em apenas "dois desconhecidos". Viria a ser desmentido pelo seu amigo "Zé Francês", um dos maiores traficantes portugueses das últimas décadas (atualmente a cumprir pena em França, para onde foi recentemente extraditado) que diria à PJ e ao tribunal que Bianchi, "mais uns 15", o obrigaram ("torturaram-me") a levá-los a casa de Amorim, onde assistiu ao seu rapto e violenta agressão ("eles iam para o matar"). Pois Amorim manteve sempre o "bico fechado", mesmo em julgamento a que tem assistido impassível.
No entanto, dois meses depois de ter presumivelmente matado o "Trico", enviou ao processo uma carta com 12 folhas onde confessa os encontros com "Trico", mas "explica" que era por causa de uma intervenção cirúrgica ao joelho. "Trico" estaria a ajudá-lo a resolver o problema. O último encontro terá sido ao início da madrugada de 2 de julho e com a mesma explicação: "por causa do joelho". Foi nessa noite que assistiu, conta o homicida, a um encontro do "Trico" com quatro indivíduos, um dos quais seria Eduardo Costa e os outros "brasileiros". Houve ameaças, exibição de armas de fogo e "Trico" entregou-lhes "um saco de dinheiro" e foi obrigado a acompanhá-los. Diz que quando esteve no centro comercial com Cláudia ela lhe comunicou as exigências dos raptores: 115 mil euros e oito dias para pagar. Ora, Cláudia só recebeu o telefonema do pedido de resgate no dia 3. O que significa que, um dia antes Amorim já sabia do valor exato, bem como da data-limite de pagamento. Premonições...
9792838
O "triplo homicida de Vila Fria" refere na mesma carta que teve conhecimento do desaparecimento de Eduardo Costa em 1 de julho. No entanto, folhas antes, diz tê-lo visto na madrugada do dia 2, no grupo de brasileiros que teria raptado o "Trico". A verdade é que de 1 a 3 de julho, ele e Eduardo falaram e encontraram-se pessoalmente várias vezes.
Foi mesmo a última pessoa a vê-lo vivo.
Crimes sem cadáveres
Nas alegações finais, a procuradora, lembrou que "longe vão os tempos em que se não houvesse cadáver, não havia crime". Na verdade, revelaram-se vãs todas as diligências - e foram muitas - da PJ para encontrar os corpos de "Trico" e Eduardo. Mas as provas indiretas, mais as produzidas em audiência, deixam claro que Rui Amorim sabe o que aconteceu aos dois homens.
Sem cadáveres, poderão, júri e juízes, dar como provados os dois crimes de homicídio, mais os de profanação de cadáver?
Já aconteceu no processo da "mafia de Braga", onde um coletivo do tribunal de S. João Novo, presidido por William Themudo, em 20 de dezembro de 2017 condenou a pena máxima os irmãos Pedro, Adolfo e Manuel Bourbon, Emanuel Paulino (o "bruxo da Areosa"), Rafael Silva e Hélder Moreira, por sequestro, homicídio e profanação de cadáver do empresário bracarense João Paulo Fernandes, cujo corpo terão desfeito em ácido sulfúrico.
É também conhecido o caso de Leonor Cipriano, que com um irmão foi condenada em 2006 pelo homicídio da filha, a pequena Joana, de oito anos, desaparecida dois anos antes e cujo corpo nunca apareceu.