Criptomoedas: um dos maiores burlões europeus atuou à vontade em Portugal mas foi detido em Espanha
Promessas de altos lucros com criptomoedas enganaram portugueses, mas queixas às autoridades não deram em nada. No país vizinho, esquema foi travado em cinco meses.
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Apontado pela Guardia Civil como "um dos maiores burlões a nível europeu com falsos investimentos em criptomoedas", Vítor Fajardo foi detido há um mês em Espanha. O esquema "ponzi" montado em Valência já tinha sido usado em Portugal para, desde 2019, enganar dezenas de pessoas. Três delas contam, ao JN, que apresentaram queixas que, no entanto, foram arquivadas ou continuam sem ter qualquer resultado prático.
A Procuradoria-Geral da República (PGR), a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e o Banco de Portugal confirmam as denúncias, mas nenhuma destas entidades, contrariamente ao sucedido em Espanha, avançou com ações para acabar com as burlas, proteger vítimas e evitar mais lesados. Aliás, em Portugal, Vítor Fajardo só está a ser julgado por ter burlado uma financeira na compra de um carro.
Residente na Figueira da Foz, Vítor Fajardo não limitou a sua atuação ao Centro de Portugal. Bem pelo contrário, o homem, de 45 anos, que se apresentava como um especialista em criptomoedas percorreu o país para participar em reuniões em hotéis, almoços e jantares nos quais realçava as virtudes da DXRCOINTRADE, a plataforma eletrónica de investimentos em moeda digital. Nesses encontros, Fajardo assegurava que o investimento renderia, no mínimo, uma taxa de juro de 2,5% à semana e mostrava atraentes gráficos de transações de criptoativos para convencer os incrédulos.
As intervenções de Fajardo em grupos de WhatsApp e redes sociais, nas quais aparecia com carros topo de gama e adereços de luxo, ajudaram a criar a sensação de sucesso e de que o investimento era infalível.
De boca em boca
Iludidas pelo que viam, e após entregarem o dinheiro a Vítor Fajardo, as vítimas seguiam as indicações da organização e tentavam convencer familiares, amigos ou simples conhecidos a replicar o seu próprio investimento. As conversas, sempre informais e baseadas na confiança mútua, foram essenciais para a DXRCOINTRADE aumentar consideravelmente o seu capital.
Alguns destes investidores ainda conseguiram retirar dividendos, o que ajudou a prolongar o esquema, mas a partir de maio do ano passado tudo se desmoronou. Os investimentos deram, então, lugar às queixas.
Autoridades investigam
Contactada pelo JN, a PGR refere que há "investigações em curso no Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa" que envolvem Vítor Fajardo. Também a CMVM confirma que recebeu três denúncias, em maio do ano passado. Mas acrescenta que as investigações aos sites www.dxrcointrade.com, www.dxr3200investments.com e www. dxrcoin.com não detetaram "sinais de intermediação financeira não autorizada, nem conteúdos do website alusivos a aplicações em instrumentos financeiros".
Encontraram, sim, evidências de "negociação de criptomoeda", setor que, diz, é da competência do Banco de Portugal que, ao JN, assegura que nem Vítor Fajardo nem nenhuma das suas empresas constam da lista de entidades autorizadas a "desenvolver qualquer atividade relacionada com criptoativos".
E o Banco de Portugal é, refere fonte oficial, "a autoridade nacional competente pelo registo das entidades que, no nosso país, pretendam exercer atividades com ativos virtuais". O Banco de Portugal verifica ainda o "cumprimento das disposições legais e regulamentares aplicáveis às entidades registadas em matéria de prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo".
Apreendidos bens no valor de 2,5 milhões de euros
Se, por cá, o esquema "ponzi" liderado por Vítor Fajardo assentava na mensagem boca a boca, em Espanha, onde o empresário se refugiou logo após os primeiros problemas em Portugal, a burla envolveu ações de marketing na rádio, eventos desportivos e até iniciativas solidárias.
Mas tudo acabou em pouco tempo. Uma das vítimas, mulher influente que convenceu amigos endinheirados a aderir à artimanha, desconfiou das promessas não cumpridas e contratou um detetive privado. Este descobriu a burla e informou a Guardia Civil que, desde agosto último, passou a investigar a atividade de Fajardo.
Cinco meses depois, a congénere espanhola da GNR realizou uma operação que permitiu a detenção do burlão português e a apreensão de 2,5 milhões em bens, em saldos bancários e 13 carros de alta cilindrada, entre outros bens.
A investigação também sinalizou vítimas no Luxemburgo e Suíça.