Quase dois mil condenados por violência doméstica frequentam programas de reabilitação. Perto de 10% do número total de reclusos estão atrás das grades devido a agressões a familiares.
Corpo do artigo
No final de junho deste ano, quase 10% dos reclusos em Portugal eram condenados por violência doméstica. Só os crimes de furto, roubo e homicídio tinham colocado mais gente atrás das grades. No mesmo período, havia também 847 pessoas que, embora em liberdade, estavam proibidas por um juiz de se aproximar das mulheres, namoradas, pais e avós que tinham atacado. A estes números há que somar outro dado paradigmático: quase dois mil homens e mulheres frequentavam programas de reabilitação para agressores. Os especialistas em violência doméstica defendem que deviam ser mais e que é a falta de técnicos nas cadeias, centros de tratamento e nos tribunais que impede uma intervenção mais ampla e profunda.
14142316
A mais recente informação revelada pelo Governo mostra que, num universo de 11 385 reclusos, 1112 deles estavam presos por terem cometido um crime de violência doméstica. Quase 900 destes já cumpriam, inclusive, a pena a que tinham sido condenados no final do julgamento, enquanto 233 aguardavam em prisão preventiva o desenrolar do processo judicial. Números que representam um crescimento relativamente ao segundo trimestre de 2020 e, no caso da prisão preventiva, também aos primeiros três meses deste ano.
Liberdade condicionada
Este aumento verificou-se, ainda, na aplicação de medidas de coação não privativas da liberdade. Em junho, eram 847 os agressores impedidos de contactar ou de se aproximar da vítima, sendo que 681 estavam obrigados a usar uma pulseira eletrónica. Esta tendência vem-se acentuando desde 2017, o que prova que juízes e procuradores estão a recorrer, cada vez mais, a este mecanismo de controlo. "Para algumas pessoas, esta medida é suficiente, mas para outras não chega. Pode, aliás, aumentar o seu grau de raiva e de culpabilização da vítima", avisa o responsável da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, Daniel Cotrim.
A dimensão da violência doméstica em Portugal está plasmada, de igual modo, no número de pessoas integradas em programas terapêuticos para agressores. Quase dois mil homens e mulheres estavam sujeitos a processos de reabilitação, dos quais 1828 obrigados pelo tribunal como condição para que a pena de prisão fosse suspensa. Já na cadeia, os agressores em tratamento eram apenas 134. "É um número demasiado baixo", frisa o professor da Universidade do Minho Rui Abrunhosa Gonçalves.
Faltam técnicos
Especialista em ofensores conjugais e no sistema prisional, Abrunhosa Gonçalves alega que, contrariamente ao que acontece atualmente, os reclusos por violência doméstica deviam ser obrigados a frequentar programas de reabilitação, uma vez que se trata de um "problema de saúde pública, que afeta muitíssimo as vítimas" e a sociedade. Contudo, o também psicólogo forense deixa um alerta. "Não há técnicos de reinserção em número suficiente no sistema prisional. As últimas contratações aconteceram há vários anos, o corpo profissional está envelhecido e há muitos estabelecimentos prisionais onde o programa para agressores não existe", refere.
Rui Abrunhosa Gonçalves acrescenta que, devido à falta de recursos humanos, haverá agressores a quem o tribunal impõe a frequência de consultas de reabilitação que não estão a receber tratamento.
Tratamento
Programa de 18 meses diminui taxa de reincidência
O Programa para Agressores de Violência Doméstica pode ser aplicado como medida de coação, sobretudo quando há uma suspensão provisória do processo, ou como pena acessória, nos casos em que o juiz se decide pela suspensão de execução de uma pena de prisão.
O programa tem uma duração mínima de 18 meses, divididos por três fases e inclui 20 sessões em grupo para trabalhar temas associados à violência conjugal. Numa terceira fase, estruturada para evitar uma recaída, o programa privilegia sessões individuais com o agressor e uma intervenção junto da vítima. Durante todo o processo, o tribunal vai sendo informado do comportamento do agressor. "Há estudos que provam que os programas terapêuticos contribuem para a diminuição da taxa de reincidência", diz Rui Abrunhosa Gonçalves.
Números
Mulheres assassinadas
Entre janeiro e junho, cinco mulheres foram assassinadas em contexto de violência doméstica. Número superior ao período homólogo de 2020.
Homens vítimas de homicídio
No mesmo período, há registo do homicídio de três homens por motivos passionais. Dois morreram no início do ano e um foi assassinado no segundo trimestre.
12 128
Crimes denunciados à PSP e à GNR
Em apenas seis meses, a PSP e a GNR registaram mais de 12 mil situações de violência doméstica, em todo o país. Mais de 6600 casos ocorreram entre abril e junho.
2614
Suspensões provisórias do processo
Na primeira metade deste ano, os tribunais decretaram, com a concordância da vítima, que mais de 2600 agressões não avançassem para julgamento.
1098
Vítimas em situação de acolhimento
Mais de 700 mulheres, 364 crianças e 16 homens tiveram de sair da habitação para evitar serem agredidos. No final de junho, viviam em casas-abrigo.
3896
Vítimas protegidas com teleassistência
Também neste aspeto se registou um crescimento de 2020 para este ano. A violência doméstica obrigou quase quatro mil pessoas a utilizar um botão de pânico.
Casos de segunda-feira
Incendiou habitação
Um desempregado, de 32 anos e residente em Águeda, foi detido pela Polícia Judiciária, ontem, por agressão à companheira e por, já depois de esta fugir, ter incendiado a casa onde ambos viviam. Não foi a primeira vez que o indivíduo, alcoólico e toxicodependente, atacou a mulher. Ficou em prisão preventiva após ter sido interrogado pelo juiz.
Ameaçada de morte
Ao longo de quase três décadas, o casamento correu sem problemas. Mas quando, há três anos, o homem começou a beber em excesso iniciaram-se as agressões. No último episódio, o agressor, de 54 anos e residente em Penafiel, além de agredir a mulher, três anos mais nova, também a ameaçou de morte. Foi detido pela GNR e afastado de casa.