"Multinacionais do crime" cada vez mais violentas mudam rotas após reforço policial em Gibraltar e criminalização das lanchas rápidas no país vizinho.
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Uma intensa fiscalização das autoridades espanholas sobre o Campo de Gibraltar, em Cádis, e uma mudança legislativa que criminalizou o fabrico, posse e utilização de lanchas rápidas do outro lado da fronteira forçaram traficantes espanhóis e marroquinos de haxixe - que estão cada vez mais violentos e com maior poderio financeiro para corromper entidades públicas e privadas - a mudar as rotas do tráfico para a costa algarvia.
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Os dados do ano passado são paradigmáticos. Mais de 23 toneladas de haxixe foram apreendidas em Portugal, quantidade que representa um crescimento de 50,4% relativamente a 2021. Segundo o Relatório Anual da Polícia Judiciária (PJ), "estes são valores bastante consideráveis, sendo o segundo valor mais alto dos últimos cinco anos".
O Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), conhecido nesta semana, confirma que as "águas nacionais têm sido utilizadas por diversas organizações criminosas como pontos de trânsito de significativas quantidades de haxixe". O RASI sustenta, aliás, que o tráfico de haxixe, "por via marítima e concentrado na costa algarvia e vicentina", é uma "das principais ameaças com que o nosso país se depara atualmente".
Rasi alerta para Algarve
"As autoridades espanholas criaram um plano especial para o Campo de Gibraltar, precisamente para atacar, de uma forma mais musculada, o tráfico que estava a ser canalizado através daquela zona, e notou-se [a deslocalização das rotas usadas pelos traficantes] para o Golfo de Cádis, o que, de alguma forma, acabou por afetar a costa portuguesa", explica o diretor da Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes.
Por seu lado, o RASI sublinha que "o investimento securitário efetuado noutros países europeus, nomeadamente no combate ao tráfico de cocaína, revitalizou as rotas ibéricas".
3,82 euros por grama foi o valor médio calculado pela PJ para a compra de haxixe em grandes quantidades, no ano passado. Representa uma diminuição de 1,93 euros relativamente ao preço de 2021.
Artur Vaz apresenta outro motivo para o intenso tráfico de haxixe em Portugal. "Temos vindo a assistir, essencialmente a partir do segundo semestre de 2019, a um aumento do movimento de lanchas rápidas através do território nacional. Isso resultará, essencialmente, da entrada em vigor de legislação específica em Espanha, que veio criminalizar a posse, o transporte, a guarda, a produção deste tipo de embarcações, quando não sejam destinadas para fim lícito. Em função disso, notamos uma deslocalização deste tipo de atividades para território nacional", refere Artur Vaz, lembrando que, em Portugal, ainda se discute a implementação de idêntica medida legislativa.
"No ano de 2022, continuou a registar-se um número significativo de casos em que organizações criminosas, por regra radicadas em Espanha, utilizaram distintos locais em território nacional para a guarda e colocação em água de embarcações de alta velocidade utilizadas no transporte de estupefacientes", complementa o RASI.
Neste documento lê-se, inclusive, que, devido a estas razões, a costa algarvia é "uma zona que requer especial atenção por parte das autoridades em termos preventivos e repressivos".
A chamada de atenção justifica-se, afirma Artur Vaz, pelo "crescendo de violência" a que estas autênticas "multinacionais do crime" têm recorrido para concretizar os seus objetivos.
"E há outro tipo de criminalidade associado ao tráfico de estupefacientes. Estamos a falar de branqueamento dos lucros gerados e também de corrupção, quer no setor público quer no privado", defende o dirigente da PJ.
Pormenores
Portugueses
O Relatório Anual de Segurança Interna diz que, no caso de haxixe, os traficantes de nacionalidade portuguesa atuam, essencialmente, "no abastecimento dos circuitos de distribuição para satisfação da procura interna de drogas".
Estrutura familiar
As organizações criminosas portuguesas dedicadas ao tráfico de droga "são estruturas que integram diversos membros de uma ou várias famílias".
Migrantes
Embora atuem a partir do Norte de África, as redes de tráfico de haxixe não se dedicam, em simultâneo, ao tráfico de pessoas, garante Artur Vaz.