Miguel Reis terá fechado os olhos a empreendimento de empresa de carpintaria com um piso a mais.
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Miguel Reis, o ex-autarca de Espinho que ficou ontem em prisão preventiva no âmbito da operação anticorrupção Vórtex, da Polícia Judiciária (PJ) do Porto, é suspeito de ter recebido mobiliário para apetrechar a sua residência particular, pouco antes do último Natal. Em troca, terá aprovado uma obra com um piso a mais a uma firma de carpintaria ligada ao empresário Francisco Pessegueiro, que uma juíza de instrução criminal também colocou ontem em preventiva.
Os outros três arguidos foram libertados, mas o chefe do Departamento de Urbanismo da Câmara foi suspenso de funções e o empresário Paulo Malafaia ficou de prestar uma caução de 60 mil euros. Ao arquiteto José Rodrigues foi determinada a medida de coação de termo de identidade e residência e, tal como aos outros detidos, proibição de contactos com testemunhas ou arguidos.
De acordo com informações recolhidas pelo JN, o Ministério Público e a PJ acreditam que Miguel Reis, arquiteto de profissão, usou os seus poderes de presidente de Câmara com o pelouro do Urbanismo para aprovar o projeto imobiliário de um empresário de carpintaria, parceiro de Pessegueiro, no final do ano passado. Como contrapartida, o autarca que renunciou ao mandato 48 horas depois de ter sido detido, recebeu o mobiliário, em dezembro.
PJ encontrou mobiliário
Terá sido Francisco Pessegueiro quem assumiu o pagamento dos móveis, entregues por funcionários do carpinteiro em casa do então autarca. Nas buscas, executadas na passada terça-feira, a PJ encontrou o mobiliário alegadamente oferecido pelos favores prestados.
Além destas contrapartidas, Miguel Reis também é suspeito de ter recebido envelopes com dinheiro vivo. Terão sido várias quantias de cinco mil euros e uma das últimas luvas, de 50 mil euros, terá sido igualmente entregue poucos dias antes do Natal.
Na mesma operação, a Judiciária também realizou buscas na residência do ex-presidente da Câmara de Espinho e vice-presidente da bancada parlamentar do PSD, Joaquim Pinto Moreira, que deixou a autarquia nas últimas eleições após três mandatos. Este deputado, que já veio a público negar qualquer ilegalidade, é suspeito de ter pressionado, em 2021, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e, em maio deste ano, a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) para que estas entidades nacionais emitissem pareceres favoráveis a empreendimentos da Pessegueiro Investments, no concelho de Espinho.
Pinto Moreira, que beneficia da imunidade parlamentar, ainda não foi ouvido pelas autoridades. Mas o MP já garantiu ter pedido o levantamento da imunidade para poder interrogar o deputado como arguido. A Operação Vórtex investiga suspeitas de crimes de corrupção ativa e passiva, prevaricação, abuso de poderes e tráfico de influências.
Advogado de Miguel Reis vai recorrer
Depois de terem sido conhecidas as medidas de coação dos arguidos, com a prisão preventiva de Miguel Reis, o advogado do ex-autarca, Nuno Brandão, contestou a decisão do tribunal, afirmando não lhe parecer "configurável que alguém que renunciou às funções públicas de presidente da Câmara revele perigo de continuar a cometer crimes no exercício de funções públicas". "É algo que, para mim, é incompreensível", referiu. Além disso, lamentou que, "não havendo, ainda, uma declaração de culpa", se tenha decidido colocar Miguel Reis em prisão preventiva e estranhou o sistema de distribuição dos processos no Tribunal de Instrução Criminal do Porto. "Vamos recorrer", rematou.
Pormenores
"Via verde"
De acordo com a investigação, Francisco Pessegueiro tinha uma espécie de "via verde" para aprovar licenciamentos na Câmara, com mais celeridade do que os da concorrência.
Deputado pressiona
Terá sido em maio de 2022 que o empresário Francisco Pessegueiro pediu, por telefone, ao então deputado Pinto Moreira para pressionar uma funcionária da ANEPC. O empresário queria um parecer favorável para um lar sénior.
Escutas e vigilâncias
As convicções da investigação estão alicerçadas em inúmeras escutas telefónicas e vigilâncias feitas aos arguidos por inspetores da Polícia Judiciária, nos últimos meses.