Rui Pinto foi detido em Budapeste, na Hungria, onde vivia há vários anos. Polícia Judiciária apreende material informático que irá fortalecer investigação
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É suspeito de ter sacado milhões de e-mails do Benfica, do fundo de investimentos Doyen, e de estar por detrás da plataforma Football Leaks. Mas Rui Pinto também terá conseguido piratear o sistema judicial português, acedendo a inúmeros documentos em segredo de justiça. Por tudo isto, o gaiense, de 30 anos, foi ontem detido na Hungria, a pedido da Polícia Judiciária (PJ). Está indiciado por violação de segredo de justiça, além de crimes de extorsão qualificada na forma tentada, acesso ilegítimo e ofensa a pessoa coletiva.
De acordo com informações recolhidas pelo JN, as autoridades têm fortes suspeitas de que Rui Pinto obteve, através de pirataria, documentos sensíveis, como uma nota interna redigida pelo coordenador da PJ responsável pelo caso e-Toupeira. Esse documento, tornado público através do blogue "Mercado de Benfica", descrevia o facto de o investigador ter recebido uma chamada anónima dando conta de que o Benfica teria uma toupeira no sistema judicial. Do mesmo modo, foi subtraído do Ministério Público o inquérito dos "bilhetes VIP" do ministro Mário Centeno, para ver um jogo na Luz, assim como o processo e-Toupeira.
"Há uma continuidade na prática de crimes perniciosa para algumas instituições", incluindo do Estado, explicou ontem Carlos Cabreiro, diretor da Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime e à Criminalidade Tecnológica (UNC3T).
Perícias informáticas
Todas estas suspeitas deverão agora ser consolidadas através da análise do material informático apreendido no apartamento em Budapeste, onde vivia Rui Pinto.
Essas perícias também irão apurar eventuais cúmplices do alegado pirata informático que o ajudaram a captar e difundir massivamente os e-mails do Benfica, mas também as comunicações da Doyen, que deram origem ao caso Football Leaks. Existem ainda suspeitas de que é o hacker por detrás dos recentes ataques aos advogados que defendem o clube da Luz.
O método de atuação é semelhante ao usado na pirataria dos e-mails da Doyen e do Benfica. Em todos os casos, os ataques terão sido perpetrados através dos mesmos servidores e com as mesmas características de "exfiltração" de dados.
operação Cyberduna
Ontem, a PJ lançou a operação Cyberduna, em colaboração com as autoridades da Hungria, onde se deslocaram vários inspetores da UNC3T para realizar buscas e concretizar a detenção, ao abrigo de um mandado de detenção europeu e no âmbito de uma "Decisão Europeia de Investigação".
Agora, Rui Pinto deverá ser extraditado para Portugal, mas o seu regresso poderá demorar entre três semanas e um mês.
Inquérito iniciado com tentativa de extorsão à Doyen
A investigação da Polícia Judiciária começou com o ataque informático e tentativa de extorsão à Doyen Sports, um fundo de investimento com sede em Malta e representado pelo português Nélio Lucas. Em 2015, Rui Pinto vivia no estrangeiro e surge como alegado autor de intromissões associadas ao Football Leaks, tendo como alvos os mais importantes clubes de futebol mundiais.
Os primeiros contactos com a Doyen ocorreram através de um e-mail com domínio no Cazaquistão apresentando-se Rui Pinto como "Artem Lobuzov" e ameaçando com a divulgação de documentos alegadamente comprometedores, caso não fosse paga uma avultada quantia. Meio milhão de euros foi o valor inicialmente propalado.
Conversação terminada
Os contactos posteriores entre o hacker e a Doyen ocorreram através do advogado Aníbal Pinto, de Matosinhos, que deu voz a uma negociação com Pedro Henriques, advogado de Coimbra que representava o fundo de investimento. Chegou a ser preparado um contrato de prestação de serviços que serviria para pagar ao pirata de forma oculta. A Judiciária já estava em campo, após denúncia apresentada por Nélio Lucas. Inclusivamente, foi vigiado e gravado um encontro numa estação de serviço na autoestrada entre Aníbal Pinto e Pedro Henriques.
O advogado de Rui Pinto acabou por cessar as conversações com vista à celebração do contrato, pois concluiu que estaria perante um caso de tentativa de extorsão e aconselhou o cliente a desistir da pretensão de pedir dinheiro à Doyen.
Rui Pinto já estaria a viver em Budapeste, na Hungria, e continuou a ser investigado. Depois disso, não parou de alimentar as divulgações do Football Leaks, mas também terá prosseguido os acessos em sistemas informáticos para subtrair informação confidencial de clubes de futebol e outras instituições. Terá sido neste contexto que - suspeita a PJ - foram iniciados os ataques ao sistema informático do Benfica.
Aníbal Pinto já afiançou que, após o episódio da Doyen, nunca mais contactou com o hacker. Mas a PJ reuniu indícios de que Rui Pinto continuou em atividade até muito recentemente.