Com apenas 10 mil euros, criaram uma empresa de gestão financeira à qual fizeram, sem dinheiro algum, um aumento de capital fictício de 10 milhões. Mais tarde, inventaram ter títulos de notas de crédito de 76 mil milhões de euros.
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E com estas aparências contabilísticas conseguiram burlar investidores internacionais da área do imobiliário e da aviação, oriundos do Iraque e da Arábia Saudita, num total de 1,2 milhões de euros.
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Por estes factos, dois empresários, um português e um espanhol, de 48 e 69 anos, foram acusados pelo Ministério Público (MP) de Lisboa e começam a ser julgados em setembro, em Loures. Burla, branqueamento de capitais e falsificação de documentos são os crimes imputados à dupla, liderada pelo português.
O rocambolesco caso descrito na acusação do MP iniciou-se em agosto de 2014, quando foi criada a empresa AGH M. Holding, Lda., para "gestão de investimento para carteira própria", com os tais dez mil euros. A sede era em Santa Iria da Azóia. Na altura, havia dois sócios, Carlos C. e outro indivíduo que acabaria por sair da sociedade quando, em março de 2015, aconteceu um gigantesco aumento de capital, com a entrada de José J.A., de nacionalidade espanhola.
Português assumiu a gestão
Era o português quem assumia a gestão da sociedade, que apesar de ter capital social de 10 milhões de euros, não possuía quaisquer bens imóveis, pelo menos em Portugal. E nas contas o saldo era zero.
"Pese embora o aludido aumento de capital, a conta bancária não registou qualquer entrada de dinheiro, registando um saldo nulo no início do mês de abril de 2015", precisa a acusação do MP. Em outubro de 2015, os dois arguidos fizeram constar de uma ata que colocavam "ao serviço da empresa títulos MTN [dívida de médio prazo] no total de 76 796 838 000 euros", de forma a que contabilistas certificados pela respetiva Ordem pudessem "dispor na contabilidade da empresa os ativos de forma legal e contabilística", explica a acusação. Ou seja, asseguraram ao mercado terem títulos de dívida de mais de 76 mil milhões de euros que, supostamente, iriam receber em cinco ou dez anos.
Estes títulos são normalmente detidos pelo Banco Central Europeu ou por bancos de dimensão internacional. Era precisamente isso que pretendiam parecer: uma empresa com enorme capacidade e garantia financeira. "Tais MTN foram utilizados como suposta garantia para obtenção de financiamentos, tendo como contrapartida o pagamento imediato de determinadas quantias pelos mutuários" à empresa dos arguidos, que fizeram saber em muitas ocasiões e "perante diversas pessoas e entidades, inclusivamente perante a CMVM [Comissão do Mercado de Valores Mobiliários], serem possuidores de uma enorme carteira de títulos MTN, o que os arguidos bem sabem não corresponder à verdade", refere a acusação.
Investimento imobiliário
Em abril de 2015, a Yarin Company, uma imobiliária iraquiana que precisava de um financiamento de 25 milhões de dólares para um projeto no Curdistão, procurou os arguidos para que estes dessem uma garantia de financiamento junto de um banco.
Em troca do serviço de garantia e para iniciar o processo junto do banco, os iraquianos depositaram um milhão de dólares (895 mil euros). O dinheiro deveria ser devolvido após a obtenção do financiamento, mas nunca foi restituído.
750 milhões em aviões
Entretanto, outra empresa (Bit Al Tamoil), administrada por um iraquiano e um saudita, procurou os arguidos para obter garantias de financiamento de 750 milhões de euros, destinados a um projeto no setor da aviação e transporte de peregrinos. O dinheiro serviria para aquisição de aviões.
Alegando ser possuidor de "bonds/títulos" que serviriam de garantia do financiamento, o arguido conseguiu levar as vítimas a entregarem-lhe cerca de 350 mil euros. Pouco depois, com esse dinheiro, comprou um Porsche Panamera, de 75 500 euros.
Todo o esquema acabou por ser desfeito pela Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ. Foi recuperada parte do dinheiro. Os arguidos foram detidos, mas estão atualmente em liberdade.
Pormenores
Falso curso
Aquando das buscas, em maio de 2015, a PJ encontrou em casa do burlão português uma falsa certidão de habilitações do curso de Relações Internacionais da Universidade Católica. O arguido teria tirado o curso com média de 16 valores.
Passaporte
Nas mesmas buscas, foi encontrado um falso passaporte do International Parliament for Safety and Peace, dando a ideia de que o arguido pertencia ao organismo ligado às Nações Unidas.
895 mil euros é o valor apreendido à ordem do processo numa conta bancária. O Ministério Público quer que a verba seja perdida a favor do Estado.