O Tribunal Constitucional concluiu esta quinta-feira que a lei que dava aos serviços de informações acesso a metadados de comunicações não oferecia garantias suficientes de salvaguarda de direitos fundamentais, como a vida privada.
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O presidente do TC, Joaquim Sousa Ribeiro, explicou aos jornalistas, numa declaração sem direito a perguntas, que "a lei não era suficientemente garantística e até suficientemente determinada", não oferecendo a precisão requerida "dada a matéria em causa, que é a afetação de um direito fundamental tão central, o direito da tutela da vida privada, que é um valor constitucional fundamental".
O TC considerou hoje inconstitucional a norma do novo regime do Sistema de Informação da República Portuguesa (SIRP) que permitia aos agentes das 'secretas' o acesso a metadados das comunicações, depois de o Presidente da República, Cavaco Silva, ter requerido a 07 de agosto a fiscalização preventiva da constitucionalidade desta norma.
Em causa estava uma lei aprovada por PSD, CDS-PP e PS, com votos contra do PCP, BE, PEV e do deputado socialista Pedro Delgado Alves, que dava acesso aos agentes dos serviços de informações não ao conteúdo de comunicações, mas a elementos como o destino, a data, a hora, a frequência, e o tipo das comunicações.
Joaquim Sousa Ribeiro explicou que a lei "teve de ser confrontada com o artigo 34 da Constituição, que estabelece a inviolabilidade do sigilo das comunicações, e como corolário desse princípio, o número quatro desse princípio, que estabelece uma proibição de ingerência das autoridades públicas", concluindo-se que existia essa ingerência.
"É uma conclusão praticamente unânime na doutrina e na jurisprudência nacional e estrangeira", declarou, sublinhando que, na jurisprudência nacional, o TC já tinha tomado duas decisões nesse sentido, uma em 2002, outra em 2009.
Por outro lado, o Tribunal de Justiça da União Europeia, em abril de 2014, estabeleceu "que a conservação, e é a conservação que vai permitir o acesso, a conservação em si mesma" dos dados, já era uma "ingerência particularmente grave no direito à privacidade", apontou o presidente do TC.
O TC concluiu também que não é possível ampliar a abrangência da lei para a exceção que já é prevista na Constituição à proibição de ingerência, que é uma exceção no âmbito de um processo criminal, com as garantias inerentes a um processo criminal.
O diploma que o TC analisou determinava ainda que o acesso aos dados só seria possível mediante autorização prévia obrigatória de uma comissão formada por três juízes do Supremo Tribunal de Justiça e o Presidente da República questionou se esta comissão podia ser equiparada ao controlo judicial que há nos processos criminais.
"O Tribunal entendeu que não. Desde logo, pelo facto de esta comissão, não obstante ser composta por juízes, ser uma entidade administrativa, e não judicial", expôs Joaquim Sousa Ribeiro, sublinhando que a lei remetia, assim, "para uma entidade administrativa para atos que afetavam direitos fundamentais".
A decisão do TC foi tomada por seis juízes, tendo votado vencido o juiz conselheiro Teles Pereira, e a juíza conselheira Maria Lúcia Amaral apresentado uma declaração de voto.
Participaram da decisão sete dos treze juízes que compõem o TC, devido às férias judiciais.