Lucília Gago rejeita "golpe de Estado" e insiste que António Costa se demitiu porque quis
A três meses de abandonar o cargo, a procuradora-geral da República, Lucília Gago, quebrou esta segunda-feira o silêncio para rejeitar que a operação que culminou, em novembro, na queda do Governo de António Costa tenha sido um "golpe de Estado" e insistir que o ex-primeiro-ministro socialista se demitiu porque quis.
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“Quando fui à Presidência da República [na manhã de 7 de novembro], já estava absolutamente preparado o comunicado com aquele parágrafo [sobre António Costa]”
"A avaliação feita pelo senhor primeiro-ministro é uma avaliação pessoal, uma avaliação política, que não cabe ao Ministério Público fazer nesta circunstância nem em qualquer outra. O Ministério Público fez o seu trabalho e, com transparência, revelou o que tinha a revelar [...] Vários exemplos mostram que não é automático esse resultado, como se quer fazer crer", sustentou, em entrevista à RTP, a atual procuradora-geral da República.
O inquérito aberto pela Procuradoria Europeia à presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, num processo em que está em causa a compra de vacinas anticovid da Pfizer, e a investigação por tráfico de influência que corre em Espanha contra a mulher do primeiro-ministro, Pedro Sanchez, foram os casos invocados por Lucília Gago. Nem Von der Leyen nem Sanchez se demitiram.
“Não há essa vontade [do Ministério Público (MP) de perseguir políticos]. É um absurdo”
"Acho completamente descontextualizada a referência a um golpe de Estado", sublinhou, reiterando que não se sente "responsável pela demissão do primeiro-ministro". "Não é de modo algum automático que a instauração de uma investigação tenha como consequência automática uma demissão", frisou.
António Costa, recentemente eleito presidente do Conselho Europeu, tem neste momento o estatuto de "testemunha". A líder máxima do Ministério Público escusou-se ainda a adiantar um prazo para o encerramento do inquérito e lembrou que o organismo está, por lei, obrigado a investigar todas as suspeitas, independentemente de quem seja o visado. “Não há ninguém acima da lei”, vincou.
Não crê em "erro grosseiro"
Lucília Gago assegurou ainda não “acreditar” que os procuradores tenham critérios políticos nas datas escolhidas para as operações nem que tenha existido um “erro grosseiro” na apreciação dos indícios da operação Influencer, totalmente arrasados por um juiz de instrução e pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
“Estou perfeitamente consciente de que há uma campanha orquestrada [contra o MP]”
“É muito difícil admitir tal coisa, porque os magistrados que têm a cargo estas investigações são magistrados de elevado nível técnico, cuja competência nunca esteve em causa”, argumentou.
Já no caso da Madeira, que em janeiro deste ano, 2024, fez cair o Governo de Miguel Albuquerque (PSD), a procuradora-geral da República reconheceu que não acha “normal” que os detidos tenham ficado presos 22 dias para depois serem libertados por um juiz. Apesar dissso, elogiou o trabalho dos procuradores.
“Nunca coloquei essa questão [de me demitir]”
Voltando à Influencer, admitiu que “não é desejável nem comum” que um cidadão esteja, como ocorreu com o ex-ministro João Galamba, sob escuta durante quatro anos, mas ressalvou que, se assim foi, é porque foram sendo recolhidos “elementos” que o justificaram.
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Pediu mais tempo
A procuradora-geral da República aceitou, na semana passada, ser ouvida na Assembleia da República, mas sugeriu que tal ocorra apenas depois de estar concluído o relatório de 2023 do Ministério Público, “dentro de escassas semanas”. A audição não tem, por isso, data marcada. A entrevista com a RTP terá sido agendada antes de receber o "convite" dos deputados para prestar esclarecimentos.
Sai em outubro
Lucília Gago tomou posse a 12 de outubro de 2018 e, em março deste ano, manifestou-se indisponível para continuar no cargo além do fim do mandato, daqui a três meses. Nessa altura, a magistrada reunirá as condições para se jubilar. O seu sucessor ou sucessora, nomeado pelo presidente da República por proposta do Governo, não foi ainda anunciado.