Mulher terá proferido expressões racistas contra clínico que atendeu filha no hospital de Loures. Julgada por injúria e difamação agravadas.
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Uma mãe que começou na quarta-feira a ser julgada, em Loures, por ter alegadamente proferido insultos de caráter racista contra um pediatra negro que, em julho de 2018, assistiu a sua filha bebé na Urgência do hospital local, terá perguntado, logo após o conflito, se não havia um "médico branco" para atender a criança. Daniela D., de 25 anos, responde por injúria e difamação agravadas e faltou à primeira sessão do julgamento. A leitura da sentença está agendada para 22 deste mês.
De acordo com o pediatra, a consulta no Hospital Beatriz Ângelo decorreu normalmente até ao momento em que o médico, com cerca de 50 anos, tentou observar a garganta da menina de 20 meses, usando, como é comum, uma "espátula" para lhe baixar a língua. Incomodada, a criança, febril, terá começado a chorar. Foi então que a situação se descontrolou.
"A mãe agarrou-me o braço e puxou-me", contou ontem, em tribunal, Pedro Costa. Depois, ter-lhe-á perguntado se pensava que estava a observar um "animal", chamando-o de "macaco", "preto de merda" e "filho da puta".
"Fiquei em choque: nunca me tinha acontecido", desabafou o queixoso, médico há 14 anos. A arguida terá então saído do gabinete, com a menina ao colo e a gritar as mesmas expressões. Dentro do consultório, não se encontraria mais ninguém, mas, ontem, duas testemunhas garantiram ter ouvido os insultos proferidos nos espaços comuns da Urgência, incluindo a médica que acabou por atender, sem problemas, a criança.
"[A mãe] disse: "não há aqui um médico branco?". E eu disse: "Estou aqui. Se quiser observo a sua criança com todo o gosto, mas tem de se comportar", recordou Dinora Mendes, sem esconder que ficou "chocada" com os insultos.
Procurador pede punição
Habitualmente "bem-disposto" e "expansivo", Pedro Costa ter-se-á "isolado" e ficado "angustiado" a partir daquele episódio. "No mês a seguir fomos de férias e toda a nossa família notou a diferença", assegurou, por sua vez, Maria de Lurdes Fonseca, companheira do pediatra há 18 anos. Já os filhos, adiantou, ficaram "revoltados".
Para o procurador do Ministério Público presente no julgamento, não ficaram dúvidas de que Daniela D. proferiu insultos de teor "racista" e, por isso, deve ser condenada pelos crimes que lhe foram imputados, na sequência de uma queixa apresentada pelo pediatra. "Estas situações [de racismo] não são raras", lamentou.
Vítor Manuel Fonseca, mandatário de Pedro Costa, acrescentou depois que ocorrem nas escolas, espaços desportivos e hospitais. E apelou ao tribunal que cumpra o seu "papel de dar um sinal" à sociedade condenando a arguida.
Já a advogada oficiosa da suspeita admitiu que, sem a conhecer, é "complicado", face aos testemunhos prestados, fazer a sua defesa. Andreya Alvarez Carrilho pediu, assim, que a pena - que pode ser de multa ou de prisão - fique "perto" do mínimo legal.
Pormenores
Prisão ou multa
O crime de injúria agravada é punível com pena até quatro meses e meio de prisão ou até 180 dias de multa. Já a punição por difamação agravada pode chegar a nove meses de cadeia ou a 360 dias de multa.
Profissão agrava
O agravamento dos crimes é justificado, na acusação, pelo facto de, quando foi insultado, o médico se encontrar a exercer funções.
Exige 15 mil euros
Pedro Costa exige ser indemnizado em cerca de 15 mil euros pelos dados sofridos. Ontem, a advogada da arguida apelou a que, a existir condenação, o valor a pagar seja "proporcional" à pena aplicada.