Um major da GNR vai ter de passar quatro anos e seis meses na cadeia por ter torturado quatro suspeitos de crimes de furto.
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O caso aconteceu há nove anos e, agora, o Tribunal da Relação de Évora recusou censurar a situação apenas com uma pena suspensa de prisão. Pela primeira vez, um polícia ficará atrás das grades por tortura.
Carlos Botas era comandante do Destacamento de Santiago do Cacém da GNR. O caso aconteceu na madrugada de 22 de junho de 2011, na Comporta (Grândola). Quatro indivíduos, com idades entre 21 e 28 anos e com passado por crimes violentos, tinham furtado carros e máquinas de tabaco em Santiago do Cacém e Vila Nova de Santo André e foram capturados pelos militares da GNR.
Com os suspeitos já algemados, o oficial chicoteou-os nas costas, nas nádegas, nos braços e nas pernas. Um dos detidos foi esfaqueado na nádega e, já no posto da GNR da Comporta, Botas levou-o para o parque de estacionamento, onde desferiu mais chicotadas. Enquanto torturava os detidos, berrava-lhes: "na minha zona ninguém rouba", "deem o recado aos vossos amigos que esta zona é minha" e ainda "não me olhem nos olhos".
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Nunca confessou crimes
O Tribunal de Setúbal tinha aplicado prisão efetiva, mas Carlos Botas recorreu para a Relação, pedindo a suspensão da pena. Os desembargadores não aceitaram suavizar a punição, por terem em conta que o major agiu na qualidade de agente de autoridade, continua a tratar os ofendidos como criminosos e nunca se arrependeu. Não há motivos para atenuar a pena "como seja o da sua contrição, o manifestar, ao menos, vontade de reparar o mal do crime".
Ao JN, Vivaldo Palminha, advogado de Carlos Botas, considerou que os juízes desembargadores, "ao não suspenderem a pena, não quiseram perder aos olhos dos populares". A defesa do oficial da GNR considerava existir falta de provas dos ilícitos, em face de versões contraditórias. Atualmente, o arguido trabalha no Comando de Doutrina e Formação da GNR. Ainda não se sabe quando iniciará o cumprimento da pena.
O Tribunal de Setúbal já tinha censurado a atuação de Botas, por afrontar a conduta que deve ter um polícia perante "alguém algemado sem capacidade de resposta". "Não temos qualquer direito de fazer justiça privada e, como agentes do Estado ao serviço do Estado de direito, temos que ser os primeiros a garantir os direitos dos seres humanos", referiu o presidente do coletivo de juízes.
"Podem ser homicidas e violadores da pior espécie, mas aquando da sua detenção têm sempre uma áurea intocável de direitos que nenhum organismo do Estado pode violar. Não é por acaso que Portugal é bastante visado por entidades internacionais, porque os seus agentes policiais e guardas prisionais vão muito para além do que devia ser a sua conduta", acrescentaram os magistrados.
Ministério Público dividido
O Ministério Público não teve uma posição unânime quanto ao tipo de castigo que merece o major Carlos Botas. O procurador-geral-adjunto do Tribunal da Relação de Évora entende que deveria ser aplicada uma pena suspensa de prisão, pois os ilícitos ocorreram todos numa só ocasião e o arguido não praticou novos crimes. Já o procurador que interveio no julgamento em primeira instância manifestou-se totalmente a favor da aplicação de prisão efetiva. Os juízes desembargadores da Relação mantiveram a pena de prisão efetiva, justificando que o cumprimento da pena em liberdade "seria sentida pela comunidade como um sinal de impunidade".
Quatro vítimas
Carlos Botas foi condenado por quatro crimes de tortura, tantos quantas as vítimas do oficial da GNR. Numa fase anterior do processo, tinha respondido apenas por um ilícito, mas a decisão foi revogada pelo tribunal superior.
Outra vez na Relação
Trata-se da segunda vez que o processo do major Carlos Botas é apreciado no Tribunal da Relação de Évora. Uma primeira condenação tinha sido anulada, devido à falta de cumprimento de uma formalidade. O Tribunal de Setúbal teve de repetir a decisão.