O ex-ministro Manuel Pinho, acusado de ter sido corrompido por Ricardo Salgado para beneficiar o BES/GES enquanto esteve no Governo (2005-09), assegurou esta terça-feira, no início do julgamento, que se sentiu "ferido" quando foi "posto de lado" pelo banco cerca de um ano antes de iniciar funções governamentais.
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Nessa altura, explicitou, tinha estado mais de uma década a "coordenar" a área de mercado de capitais do BES, cujo departamento contribuíra, em 2003, "com 216 milhões de euros para os resultados do banco". O montante terá correspondido, à data, a cerca de 60% dos resultados da instituição financeira.
"Em 2004, os acionistas entenderam: 'não obstante os resultados, é posto de lado'. É uma situação muito estranha. Eu fiquei muito ferido, e demorei muito tempo a aceitar isso", afirmou, esta terça-feira, Manuel Pinho, precisando que foi então que foi celebrado um "acordo" para ser tratado "condignadamente" pelo seu afastamento, no âmbito de uma fusão de bancos, do cargo que exercia.
"Era um pouco pegar ou largar [...]. Para me afastarem do lugar atribuíram-me uma renda, renda essa que eu teria até ao dia em que exercesse o meu direito à reforma", resumiu.
O acordo - com os acionistas do BES e não "bilateral" com Ricardo Salgado - implicaria o pagamento global, ao longo dos anos, de "19 milhões de euros", cerca de 14 milhões a mais do que os cinco milhões que está acusado de ter recebido indevidamente do ex-banqueiro, para beneficiar o BES/GES em projetos urbanísticos enquanto foi titular da pasta da Economia.
Eram "prémios" e não "luvas"
"Os favores que me acusam a ter feito ao BES são patéticos", defendeu Manuel Pinho, acrescentando que, quando, em 2005, foi para o Governo, decidiu demitir-se do banco, porque, além de ter "algum património do passado", tinha, enquanto alto quadro da instituição, direito à reforma aos 55 anos de idade.
"Não há melhor fortuna. Tudo que é dinheiro no banco vai depressa, e uma reforma é para toda a vida. Na altura, tinha 50 anos. E o que é que eu disse para mim? 'A média da estadia de um ministro da Economia no Governo era dois anos. Não sou ninguém especial, não estou lá mais de dois anos", justificou.
O dinheiro que recebeu já enquanto ministro - incluindo através de paraísos fiscais, tal como sucedera enquanto fora funcionário do BES - ter-se-á tratado de "acertos" dos pagamentos já previstos no contrato de 2004. Num depoimento algo confuso - e com apartes que incluíram uma "declaração de amor" à mulher, igualmente arguida no processo -, o antigo governante penitenciou-se, de resto, por nunca ter declarado à Autoridade Tributária os montantes recebidos offshore.
"O BES/GES, pelo menos da minha experiência, não pagavam mais do que os bancos diretamente concorrentes. Simplesmente, tinha um mau hábito de pagar complementos de salários e prémios no estrangeiro", explicou. Tal seria uma "imposição" do grupo.
"É facil dizer [agora] que não devia ter aceite. Como consequência não teria trabalhado na altura no segundo maior banco [português cotado em bolsa", desabafou.
O depoimento prossegue a partir das 13.30 horas, no Tribunal Central Criminal de Lisboa. No processo, é ainda arguido Ricardo Salgado, que, por doença, não compareceu no julgamento. Em causa estão crimes de corrupção, fraude fiscal e branqueamento.