Mais de metade dos processos decididos em tribunal deram razão aos filhos que rejeitaram os pais.
Corpo do artigo
Em cinco anos, os tribunais de primeira instância deram razão total ou parcial a 521 queixosos que entraram com uma ação na Justiça para deixarem de ser perfilhados pelo pai ou pela mãe, por desconfiarem que não são seus filhos biológicos.
No mesmo período, o número de processos de impugnação de paternidade ou de maternidade que culminaram numa perfilhação foi residual, com apenas três casos registados.
Os dados foram disponibilizados ao JN pelo Ministério da Justiça. Entre 1 de janeiro de 2018 e 31 de dezembro de 2022, os tribunais de primeira instância portugueses fecharam 1012 processos de impugnação de paternidade/maternidade, 248 dos quais sem qualquer decisão de fundo, incluindo por desistência do ofendido. Outros 625 foram apreciados até ao fim. Destes, 494 tiveram provimento total e 27 parcial, enquanto 101 foram integralmente rejeitados. O termo dos restantes 139 casos deveu-se a outras situações, nomeadamente o terem transitado em julgado.
“Acabam todos a fazer o teste”
O balanço estatístico não precisa quem são, por norma, os autores das ações, mas, segundo Rui Alves Pereira, advogado especializado em direito de família, as impugnações, habitualmente de paternidade e não de maternidade, são “normalmente” intentadas pelos pais e pelos filhos. Além destes, só as mães e o Ministério Público - este último em representação de menores - podem iniciar o processo.
“A seguir, abre-se um novo processo, que é a procura do pai”, acrescenta o causídico, sem se mostrar surpreendido, atendendo à sua experiência profissional, por cerca de metade das ações de impugnação entradas nos tribunais ter sucesso.
Sem fazer qualquer “juízo de censura”, Rui Alves Pereira recorda que as “relações extraconjugais existem” e que não há um “detetor” para a mulher saber, antes do registo, quem é o progenitor da criança. Além disso, sublinha o advogado ao JN, no caso de se tratar de uma mulher casada, há a “presunção automática” legal de que o marido é o pai da criança, o que pode não corresponder à verdade e ser descoberto somente mais tarde.
Certo é que, em caso de processo judicial, o resultado do teste de ADN acaba por ser a principal prova de que existe, ou não, uma relação biológica de parentalidade. “A lei é muito criativa e imaginativa. Antigamente as pessoas recusavam-se [a fazer o teste de ADN]. Agora, a lei diz que quem se recusa tem de provar que não é pai. Acabam todos a fazer o teste”, remata o advogado.
1012
processos de impugnação de paternidade foram fechados pelos tribunais entre janeiro de 2018 e dezembro de 2022. Tiveram provimento 521 e 101 foram rejeitados.
Perguntas e respostas
Como é perfilhada uma criança?
Se se tratar de uma mulher casada, a lei presume que o marido é o pai da criança. Se se tratar de uma união de facto ou de um namoro, o namorado ou unido de facto tem de perfilhar o bebé aquando do registo de nascimento.
E se o pai for desconhecido ou não quiser perfilhar a criança?
Nesse caso, o Ministério Público é informado do nascimento e abre um processo administrativo de averiguação da paternidade. Se chegar à identidade do progenitor, é então aberta uma investigação de paternidade, que culminará, à partida, numa decisão judicial de perfilhação.
Até quando pode ser impugnada a paternidade/ /maternidade?
A mãe tem três anos após o nascimento da criança e o marido três anos após ter tido conhecimento de que não é o pai. Já o filho pode impugnar até uma década após a emancipação legal, ou seja, até aos 26 ou 28 anos.
E se só souber mais tarde que o pai/mãe não é biológico/a?
A lei confere então mais três anos a contar da data em que tomou conhecimento do registo errado. Mas, para ganhar em tribunal, tem de conseguir demonstrar que nunca soube de nada antes, o que dificulta o sucesso da impugnação.
Estes prazos são consensuais?
Não, sobretudo no caso dos filhos, existindo quem defenda que não deve haver qualquer limite de idade. Em confronto, estão o direito à identidade biológica e o princípio da segurança jurídica.