Anastácio Alves, um ex-padre do Funchal, acusado de quatro crimes de abuso sexual de crianças e de atos sexuais com adolescentes terá tentado entregar-se na Procuradoria-Geral da República, onde se recusaram a recebê-lo. Havia um pedido de colaboração internacional para a notificação da acusação ao pároco, cujo paradeiro era desconhecido.
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A tentativa de entrega, noticiada pelo Observador e pela SIC, aconteceu esta quinta-feira e Anastácio Alves pretendia, segundo as mesmas fontes, ser constituído arguido e assumir "responsabilidades". O JN questionou a PGR sobre as razões que motivaram a recusa em receber o padre, mas até ao momento não obteve resposta.
"Fica difícil colaborar com a justiça, ainda mais numa semana em que é dado à estampa um relatório sobre abusos na Igreja. Todos nós batemos com a mão no peito - o MP, a Igreja, todos - e quando, afinal, queremos efetivar as coisas, parece que ninguém sabe o que anda a fazer. Isto é triste. Não é um problema da justiça, é um problema do país. Reflete o que é o país em termos de burocracia, somos um país de 'mangas de alpaca'", afirma o advogado Miguel Santos Pereira, em declarações à Lusa.
O ex-padre do Funchal tinha desaparecido em 2018, após ter exercido sacerdócio em Paris. Os crimes que lhe são imputados pelo Ministério Público (MP) terão sido cometidos quando a vítima, um rapaz, tinha 13 e 14 anos, e em casa dos avós, em Câmara de Lobos. Miguel Santos Pereira afirma que o ex-pároco esteve a viver durante o último ano em Portugal "de forma tranquila" e questiona as diligências efetuadas para a sua localização, acrescentando que nada pôde ser formalizado esta quinta-feira na PGR.
A acusação, deduzida pelo MP em março do ano passado, situa os abusos entre 2015 e 2016 na residência dos familiares da vítima, que o sacerdote, Anastácio Alves, com 59 anos, frequentava com regularidade. Segundo o despacho, o padre aproveitava-se do facto de "ser amigo da família e de momentos de distração dos avós e familiares do menor" para praticar sexo oral à criança.
Mais tarde, já o menino tinha 14 anos, Anastácio Alves, que na época já exercia sacerdócio na Paróquia Portuguesa em Paris (Gentilly), foi jantar a casa dos avós tendo sido falada a possibilidade de a família da vítima ir a Paris. Após a refeição a criança retirou-se para o quarto, onde o padre foi ter com ela pouco depois, a pretexto de prepararem a viagem para França. E logo começou a acariciar o jovem, praticando depois sexo oral e obrigando o menino a fazer-lhe o mesmo.
Considera a acusação que "o arguido atentou contra a liberdade e a autodeterminação sexual do ofendido, perturbou-o e incomodou-o, causou-lhe desconforto e desagrado e comprometeu o seu normal desenvolvimento psíquico, afetivo e sexual, primeiro, enquanto menor de 13 anos e depois, quando já tinha 14 anos".
O MP sublinhou que "existe o fundado receio de que ele possa vir a cometer crime de igual natureza contra menor, no âmbito de profissão, emprego, função ou atividade que envolva contacto regular com menores".
Mesmo assim, foi proposta como única medida de coação o termo de identidade e residência porque considerou não se verificar "nenhuma das circunstâncias previstas no artigo 204.º do Código de Processo Penal [fuga ou perigo de fuga, perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo, perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas]".
O padre Anastácio Alves já tinha sido afastado de toda a ação pastoral pela Diocese do Funchal em 2018 e ele próprio acabaria por pedir a sua dispensa do sacerdócio. O pedido foi aceite pelo Vaticano em 2021.