Acusação do Ministério Público imputa crimes de abuso de confiança e branqueamento de capitais a arguidos, que geriam seis instituições sociais.
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Viagens, roupas de luxo, marisco, um barco, uma vivenda em Peniche, um Porsche Panamera e um sem-número de despesas pessoais terão sido pagas com cerca de 800 mil euros desviados de várias instituições particulares de solidariedade social (IPSS) ligadas à Igreja por um padre, Arsénio Isidoro, e uma gestora, Ana G., de 56 anos, que, segundo o Ministério Público, mantinham uma relação. Os dois arguidos, que lideravam seis IPSS destinadas a apoiar crianças ou idosos, vão ser julgados em breve no Tribunal de Loures, por abuso de confiança e branqueamento de capitais.
De acordo com a acusação o Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) Regional de Lisboa, o padre foi assumindo a presidência de várias IPSS, sediadas nos arredores da capital. Eram a Casa do Gaiato de Loures, que acolhia crianças desfavorecidas, a Associação Protetora Florinhas da Rua, o Centro Comunitário e a Fábrica da Igreja da Paróquia de Ramada, além da Associação Liga à Vida, uma organização não governamental (ONG) que tinha como missão ajudar crianças de São Tomé e Príncipe e ainda o Instituto de Beneficência Maria da Conceição Ferrão Pimentel (Sãozinha). Só esta IPSS, que geria uma creche e um jardim de infância, acolhendo crianças em risco e com deficiência, recebeu 2,5 milhões de euros da Segurança Social, entre 2008 e 2014. Em todas estas instituições, o padre colocou Ana G., mulher que à data dos factos era casada, como tesoureira ou administrativa ligada às contas.
Segundo o MP, entre 2007 e março de 2016, o padre e a mulher aproveitaram os cargos desempenhados e os acessos às contas bancárias para se apoderarem de dinheiros das IPSS. "O plano passava por se apropriarem das quantias a que tivessem acesso, por vias das funções que exerciam nas instituições, para satisfazerem necessidades da vida pessoal, mormente restauração, vestuário, viagens, viaturas ou outras que entretanto surgissem", garante o MP.
"Bomba" de 167 mil euros
Um dos casos que é referido pela acusação é o da aquisição de um Porsche Panamera, de 167 mil euros, em agosto de 2010, pelo padre. Antes do ato da compra do automóvel, o padre deu 10 mil euros de entrada, com um cheque sacado da conta do Instituto Sãozinha, assinado por Ana G., e, quando foi buscar o veículo, entregou 65 mil euros que tinha desviado das instituições. Todas as prestações, de cerca de mil euros, tiveram a mesma origem: as IPSS. O padre acabou por vender o carro, por 50 mil euros, em 2014.
Ainda segundo MP, o padre e a gestora adquiriram um imóvel em Peniche. "Usaram os respetivos fundos para custear a aquisição de um terreno e edificação de um imóvel de que tinham intenção de usufruir, como casal e no âmbito da vida privada, embora o mesmo ficasse apenas registado em nome de Arsénio Isidoro", lê-se na acusação.
O casal foi várias vezes de Lisboa a Peniche de Porsche e acabou por comprar um terreno de cinco mil metros quadrados por 60 mil euros, com fundos que terão sido desviados da "Florinhas da Rua". Depois contrataram a construção da vivenda, com piscina interior, pelo preço de 210 mil euros. Mas a construção nunca chegou a ser totalmente concluída por falta de pagamento ao empreiteiro.
Sem atividade pastoral e fora de instituições
O padre Arsénio Isidoro está atualmente sem atividade pastoral e também não está ligado a qualquer instituição de solidariedade social. Desligou--se destas atividades depois de ter sido constituído arguido pela Polícia Judiciária em Lisboa, em março de 2016. As investigações decorriam desde 2014, a cargo da Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC), num inquérito do Departamento de Investigação e Ação Penal do Ministério Público de Lisboa. Contactado pelo JN, que o confrontou com as acusações do Ministério Público, o padre disse ainda não ter sido informado da data do início do julgamento. Negou os factos descritos na acusação, mas rejeitou responder a mais perguntas.