Crime foi cometido em espaço da Câmara da Guarda, que contrariou vontade de juiz e impediu arguido de ali ficar em "prisão domiciliária".
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Um homem de 41 anos, natural do Paquistão e exilado na Guarda, ficou em prisão preventiva, na quarta-feira passada, depois de sujeito a primeiro interrogatório judicial, por suspeita de abuso sexual de uma criança de seis anos, que tem nacionalidade ucraniana e fugiu à guerra no seu país.
O suspeito, que residia há meses no mesmo centro onde o município acolheu cerca de uma centena de refugiados da Ucrânia, atraiu a vítima para o seu quarto a pretexto de aí lhe oferecer chocolates, e aproveitou não só para lhe mostrar um vídeo de conteúdo pornográfico, como para a apalpar em várias partes do corpo.
Mal conseguiu escapar, a menina contou o que lhe sucedera à mãe, mas esta demorou cerca de duas semanas para reportar o caso à coordenação do centro de acolhimento, pelo que só esta semana é que a autarquia o denunciou às autoridades. Primeiro à PSP e, depois, à Polícia Judiciária da Guarda, que deteve o suspeito na sequência de buscas e apreensões no quarto onde este estava acolhido e onde terá praticado o crime de abuso sexual de menor.
O episódio mereceu ainda a intervenção do Alto Comissariado para os Refugiados, o qual, em colaboração com autarquia da Guarda, movimentou a vítima, a mãe e a avó para outro ponto de acolhimento de refugiados da guerra, situado em Coimbra.
Autarca rejeita proposta do juiz
Apesar de "fortemente indiciado" por um crime de especial censurabilidade, o cidadão paquistanês poderia ter regressado ao centro de acolhimento onde permanecem várias famílias de ucranianos com mais crianças, se tivesse vingado a posição do juiz que o interrogou.
Com efeito, o Juízo de Instrução do Tribunal da Guarda ponderou aplicar ao arguido a medida de coação de prisão domiciliária com vigilância eletrónica, na expectativa de que o arguido pudesse ficar retirado noutra ala do centro de refugiados.
No entanto, a Câmara Municipal da Guarda, que arrendou o espaço à diocese, não autorizou que o homem ali continuasse a ter residência, rejeitando a instalação e pagamento da linha telefónica necessária ao dispositivo de vigilância remota.
Contactado pelo JN, o presidente da Câmara da Guarda, Sérgio Costa, não confirmou nem desmentiu esta cadeia de acontecimentos, invocando o argumento de que "o processo está em segredo de justiça".
Impossibilitado de sujeitar o arguido a prisão domiciliária (ver ficha ao lado), o juiz não teve outro remédio senão pô-lo em prisão preventiva. E a saga não terminou ali. O paquistanês deveria seguir então para o Estabelecimento Prisional da Guarda, mas isso não aconteceu, porque este tem um surto de covid-19 ativo. Por isso, acabou por fazer uma viagem de mais 100 quilómetros até ao Estabelecimento Prisional de Castelo Branco, onde vai permanecer. Daqui a três meses, a medida de coação será reavaliada pelo juiz.
Pulseiras
Acordo de terceiros
Um arguido só fica em prisão domiciliária se os demais residentes na casa consentirem. No caso da Guarda, o juiz tinha de obter o acordo da Câmara local, responsável pela gestão do centro de refugiados.
Triangulação
Quando o juiz decide aplicar a prisão domiciliária, os técnicos da Direção-Geral de Serviços Prisionais e Reinserção Social põem uma pulseira eletrónica ao arguido e instalam na casa um dispositivo eletrónico que carece de linha telefónica. Se a pulseira se afasta do dispositivo - isto é, se o arguido sai de casa, a central de controlo da DGRSP recebe um alerta, tenta contactar o arguido e, se necessário, chama a polícia.