Juízes dão "sério aviso" a empresários que preferem "a avidez do lucro ao respeito pelas regras de segurança". Incêndio numa unidade de polimento de móveis em Paredes.
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O Tribunal de Penafiel condenou uma empresa de polimento de móveis e os seus proprietários a mais de 25 mil euros de multa e penas de prisão suspensas. Os juízes deram como provado que um homem morreu na sequência de uma explosão, seguida de incêndio no interior da fábrica, provocada pelo não cumprimento da lei e quiseram "dar um sério aviso aos empresários, que preferem sistematicamente a avidez do lucro ao respeito pelas regras de segurança".
A unidade fabril estava a funcionar no concelho de Paredes, onde, na última década, 60 empresas ilegais aproveitaram um programa específico para regularizar a sua atividade.
Durante anos, a MR Polimentos laborou ilegalmente num edifício que não cumpria as mínimas normas de segurança. Apesar da intensa atividade, a empresa, com instalações em Rebordosa, Paredes, nunca tinha sido sujeita a qualquer inspeção ou vistoria pelas entidades competentes e, em novembro de 2014, um curto circuito esteve na origem de uma explosão seguida de incêndio. O acidente matou um homem que a empresa disse ser uma visita, mas que a família garantiu estar ali a trabalhar.
Preferem uns "patacos"
Ricardo Freitas tinha 40 anos e, recentemente, a empresa foi condenada ao pagamento de uma multa de 25 200 euros, pelo crime de incêndios, explosões e outras condutas especialmente perigosas, agravado pelo resultado.
Os proprietários, Ana e Carlos Moreira, também foram condenados pelo mesmo crime. A pena de dois anos de prisão aplicada a ambos fica suspensa se, no mesmo período, realizarem as diligências necessárias para licenciar a atividade laboral que, embora noutro local, continuou.
Os juízes do Tribunal de Penafiel reconheceram que Ana e Carlos Moreira "não tinham consciência que a sua conduta poderia conduzir a um incêndio de relevo ou a uma explosão que criasse perigo para a vida". E valoraram o facto de não terem feito "fazer desaparecer a sociedade" para fugir às suas responsabilidades.
Mas os magistrados pretenderam, no acórdão agora conhecido, "dar um sério aviso aos empresários, que preferem sistematicamente a avidez do lucro ao respeito pelas regras de segurança". A necessidade de "punição severa" impõe-se, segundo os juízes, pelo facto de a MR Polimentos ter desenvolvido "a sua atividade sem sequer estar devidamente licenciada" e num imóvel sem "a necessária licença de utilização".
"É que só assim se poderá reforçar na comunidade o sentimento de que este tipo de crimes (ainda para mais com consequências tão trágicas) não passa impune e que, afinal, em especial a vida e a integridade física, valem bem mais que uns "quantos patacos" que se ganham em poupanças na segurança dos trabalhadores", alegaram os magistrados.
Licenciamento
Vizinhos denunciaram 60 empresas ilegais
Confrontada pelo JN, a Câmara de Paredes admite que, "embora em período de grande recessão económica do país, tem vindo a regularizar a situação de muitas indústrias existentes no concelho". E acrescenta que, inclusivamente, foi "criado um programa específico para o efeito, designado por Regime Extraordinário da Regularização de Atividades Económicas". "Boa parte das regularizações", diz, resultaram de denúncias efetuadas pelos vizinhos e estiveram na origem dos "respetivos processos com as coimas associadas". A autarquia revela ainda que, nos últimos dez anos, foram licenciadas "cerca de 60 indústrias" que estavam a trabalhar sem qualquer licença.
Caso foi arquivado três vezes
Até chegar a julgamento, o processo da morte de Ricardo Freitas foi arquivado três vezes. O primeiro arquivamento ocorreu em abril de 2015, mas a família da vítima requereu intervenção hierárquica e o Ministério Público reabriu o inquérito em junho desse ano. Contudo, em fevereiro de 2018, o procurador arquivou o caso pela segunda vez, seguindo-se novo requerimento da família e nova reabertura do inquérito. Em outubro de 2019, o procurador concluiu que não existiam indícios graves, precisos e consonantes com a prática de qualquer crime e avançou com o terceiro arquivamento.
A família de Ricardo Freitas decidiu, um mês depois, requerer a abertura do instrução e, em dezembro de 2020, o juiz contrariou os arquivamentos do Ministério Público e decidiu que havia indícios suficientes para o caso chegar a julgamento.
Condenação anterior
Antes do processo-crime ter chegado à sala do julgamento, a empresa de Paredes já tinha sido condenada, no Tribunal do Trabalho, a pagar uma indemnização ao filho de Ricardo Freitas. O jovem, que tinha 12 anos no dia do incêndio na fábrica, recorreu à justiça para provar que o pai faleceu enquanto trabalhava num local com "ligações imperfeitas das instalações elétricas", onde estavam armazenados "produtos químicos, inflamáveis e perigosos" e sem um "sistema de extração de vapores".
A MR Polimentos defendeu-se garantindo que Ricardo Freitas não era seu funcionário e que, quando deflagrou o fogo, estava nas instalações apenas de visita. Prova disso, salientava a empresa, era o facto de a vítima não ter conseguido fugir por não conhecer o espaço. O Tribunal do Trabalho mandou indemnizar o filho.
Irregularidades detetadas
- Falta de licença para o exercício da atividade
- Imóvel sem licença de utilização para as atividades realizadas
- Latas de produtos químicos perigosos e altamente inflamáveis, armazenadas na cabine de pintura e zona de polimento/lixagem
- Falta de bacias de retenção dos produtos químicos armazenados
- Deficiente sistema de ventilação e extração de vapores deficiente
- Luminárias sem armaduras ou outros dispositivos de proteção antideflagrante. Também estavam sem inspeção e a manutenção era efetuada por técnicos sem certificação
- Quadro elétrico do 1.º piso inadequado
- No 1.º piso, a única saída para o exterior era uma varanda
- Ausência de sinalização para as saídas
- Porta da varanda do 1.º piso abria para o interior
- Máquinas sem indicação de perigosidade e sem declaração de conformidade CE
- Máquinas antigas instaladas sem dispositivos de segurança
- Inexistência de planos de inspeção e manutenção da maquinaria
- Ausência de estrutura interna que assegurasse primeiros socorros, retirada dos trabalhadores e combate a incêndios
- Ausência de sinalética de obrigação de uso de equipamentos de proteção, tais como óculos, luvas, auriculares de proteção, máscara de proteção e botas de proteção.