A fuga de reclusos de Vale de Judeus, em Alcoentre, foi "muito bem preparada" com "pormenores pensados ao mais ínfimo detalhe", explicou, hoje, Luís Neves, diretor nacional da PJ, que alertou para a perigosidade dos fugitivos. Havia, ontem, 33 guardas divididos por dois turnos de serviço, algo habitual para um sábado.
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"Esta gente tudo fará para continuar em liberdade", sublinhou, em conferência de imprensa, o diretor da polícia que lidera a investigação e a caça ao homem. Com a exceção de Shergili Farjiani, que não tem histórico de violência, todos os outros reclusos em fuga são "gente muito perigosa" e com uma "enormíssima capacidade de mobilidade".
Neste momento, as autoridades estão empenhadas em perceber quem está por detrás da fuga, "uma organização complexa e que exige capacidade financeira", mas também recapturar os reclusos. Ainda assim, "que ninguém espere resultados imediatos", disse Luís Neves. O mesmo tinha dito antes Manuel Vieira, secretário-geral adjunto do Sistema de Segurança Interna, durante uma conferência de imprensa conjunta com a GNR, PSP e PJ : "esta investigação não é simples, é complexa. Não se deve esperar resultados imediatos". Ainda assim, sublinhou que esses resultados serão atingidos, "mas não com o grau de emergência que gostaríamos".
O tema da perigosidade dos criminosos em fuga marcou o tom da conferência de imprensa, em que o diretor nacional da Polícia Judiciária elencou os cadastros e o histórico violento de Fábio Loureiro, Fernando Ferreira, Rodolf Lohrmann e Mark Roscaleer. Alguns tinham já tentado escapar da prisão.
"Crime complexo, crime altamente organizado, muito bem preparado, gente muito perigosa, gente que já tentou fugir várias vezes das cadeias, gente que tudo fará para se manter em liberdade, um elevado grau de mobilidade, até em termos internacionais", resumiu Luís Neves, que alertou ainda para a necessidade de haver "cuidado e reserva na comunicação" durante a investigação.
Operações stop nas estradas
O responsável deixou ainda um alerta à população, para não interagir com os suspeitos e alertar as autoridades pelo 112 ou qualquer órgão de polícia criminal, caso os reconheçam. As autoridades estão a trabalhar em cooperação com autoridades internacionais, desde os primeiros momentos, para o caso de os fugitivos já não se encontrarem no nosso país.
Segundo Manuel Vieira, não foi equacionada a hipótese de fechar fronteiras, por se considerar que tal medida seria desproporcionada, mas está a ser feito "um controlo fino" da circulação nas estradas pela PSP e GNR, que se materializa em uma maior intensidade de operações stop, neste caso "em zona em que se estima que os evadidos se possam dirigir". A PSP e GNR têm o dispositivo em alerta, com controlo de fronteiras aéreas e marítimo, tendo sido feita comunicação direta à Guardia Civil de Espanha, sobre o caso.
O Sistema de Segurança Interna (SSI) indicou também no sábado ter sido "agilizada a cooperação policial internacional" para a captura dos cinco reclusos que fugiram. Até ao momento, não foi possível identificar a identidade dos três elementos externos, que estiveram junto ao muro da cadeia a auxiliar a fuga, explicou Luís Neves, da Polícia Judiciária. O mesmo em relação aos veículos utilizados nas fuga.
40 minutos a detetar a fuga
A fuga dos reclusos só foi oficialmente comunicada às autoridades 40 minutos depois de ter acontecido, num momento em que todos os presos regressavam às celas e se percebeu que faltavam cinco homens. "Está em curso uma investigação à circunstâncias internas que levaram a este desfecho. Algo falhou", disse aos jornalistas, Rui Abrunhosa Gonçalves, da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.
No estabelecimento prisional, estavam 33 efetivos da Guarda Prisional divididos por dois turnos, "normal para um estabelecimento com este número de reclusos", mas vai ter de ser apurado internamente "o que facilitou" que isto acontecesse. A um sábado, "este é o turno expectável que funcione". Ainda assim, salienta que a falta de guardas prisionais é uma realidade nacional: "é evidente que preciso de mais guardas" em toda a rede, revelando que solicitou a abertura de um concurso para 225 guardas prisionais. Neste momento, a prisão tem 15 guardas de baixa e 15 de férias, num total de 150 profissionais.
Sobre a monitorização das câmaras de vigilância, Abrunhosa Gonçalves disse que, "em princípio, tem de haver sempre alguém". Um a dois guardas estão sempre nessa serviço, garantiu. Tendo em contas as cerca de 200 câmaras da prisão de Vale de Judeus, considerou que "é possível que alguma coisa tenha falhado aí, mas isso é o que se vai apurar", mas é "evidente que alguma coisa falhou".
Questionado sobre se tencionava demitir-se na sequência da fuga, Rui Abrunhosa Gonçalves afirmou que "nestas situações é fácil atirar a toalha ao chão", mas não vai desistir à "primeira contrariedade". O responsável pelas cadeias disse ainda que se manifestou contra a transferência de Rodolf Lohrmann da prisão de Monsanto para Vale de Judeus, mas que a decisão pertence ao tribunal de execução de penas. "Se ele estivesse em Monsanto, não teria fugido", concluiu.
"A prisão de Vale de Judeus foi construída nos anos 60 e a rede era para ser eletrificada", disse ainda o responsável pelas prisões sobre a segurança do estabelecimento prisional, mas quando se ligava a eletrificação a luz da cadeia ia abaixo. "É um bom exemplo de como as coisas não devem ser feitas. O que aconteceu neste momento ali é que as situações que estavam correspondentes à segurança falharam. Vamos ter de apurar isso. Mais nada".
"Falhou não estar um guarda no pátio", diz sindicato
O presidente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional, em declarações à Lusa, atribuiu a fuga à falta de guardas prisionais, o que levou a que as torres de vigilância tivessem sido desativadas e demolidas. "A falta de guardas levou à desativação de umas torres de vigilância que havia antigamente e onde estava sempre um guarda todos os dias em permanência", referiu Frederico Morais, para quem as "câmaras de videovigilância podem ser muito boas, mas não para essa situação".
O dirigente sindical garantiu ainda que, na altura da fuga dos reclusos, estavam de turno 31 guardas prisionais em Vale dos Judeus (segundo o diretor-geral dos serviços prisionais estavam 33), quando no sistema anterior de escalas seriam 50. "Em 2018, na escala anterior, estavam lá 50 guardas. Passamos de 50 para 30. O serviço é o mesmo, os presos são os mesmos, é tudo igual", lamentou Frederico Morais. "Falhou não estar um guarda no pátio, que antigamente estaria a controlar, e agora não está porque não há guardas", referiu o presidente do sindicato.
O responsável adiantou que, para uma população prisional de quase 13 mil reclusos, estão no ativo perto de quatro mil guardas prisionais, quando o "ideal seriam cerca de 5500".