Presa por manter filho com deficiência acorrentado às escuras e rodeado de fezes durante anos

Jovem foi encontrado pela PSP nu e rodeado de urina e fezes
Foto: Lai Man Nung/unsplash
O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) confirmou a pena de três anos e seis meses de prisão efetiva aplicada a uma mulher, de 46 anos, do Montijo pelo tratamento "desumano e prolongado" imposto ao filho, um jovem de 21 anos com 97% de incapacidade que viveu anos fechado num quarto sem luz, nu, sobre um colchão sujo e rodeado de fezes, urina e restos de comida com bolor. Incapaz de falar, de se defender ou de satisfazer necessidades básicas sem ajuda, terá sofrido medo contínuo, humilhação e profunda degradação física e emocional, num ambiente descrito pelas autoridades como "nauseabundo e intolerável".
A intervenção policial que revelou a situação ocorreu em 2021, após alertas de vizinhos e da CPCJ (Comissão de Proteção de Crianças e Jovens). Quando os agentes da PSP entraram na residência encontraram o jovem nu, a dormir num colchão sem lençóis, colocado no chão de um quarto sem luz natural ou artificial, com os estores permanentemente fechados.
O espaço estava impregnado de fezes e urina, espalhadas pelo chão, paredes e cobertores. Na casa de banho contígua, havia uma trela presa à base da sanita, usada para imobilizar a vítima pelo pulso e pelo tornozelo e, dentro do lavatório, recipientes com restos de comida tinham já bolor.
Segundo o tribunal, não se tratava de um episódio isolado, mas de um regime de confinamento e abandono sistemático que se prolongou durante cerca de três anos, desde que o jovem deixou de frequentar a instituição onde era acompanhado, ao atingir a maioridade.
A vítima sofria da síndrome de Moebius (fraqueza ou paralisia em alguns nervos cranianose), de atraso global do desenvolvimento grave, congénito, sem qualquer tipo de discurso ou linguagem, apresentando debilidade profunda.
Vizinhas descrevem sofrimento prolongado
Ao tribunal, algumas vizinhas relataram que o jovem deixara de ser visto no exterior muito antes da intervenção policial e descreveram os gritos incessantes, o som de murros nas paredes da habitação e o cheiro intenso que se espalhava pelo edifício.
Uma das testemunhas recorda que a filha adolescente da arguida, que lavava carros, chegou a pedir ajuda porque estava sozinha com o irmão e não sabia onde a mãe se encontrava. Outra relatou que teria estado ausente da residência semanas seguidas, deixando o jovem ao cuidado das duas irmãs menores, igualmente vulneráveis e emocionalmente exaustas.
Ficou provado que a vítima passava dias sem acesso ao exterior, sem luz, higiene ou apoio. Defecava no chão, na casa de banho e nos cobertores, que não eram limpos. Comia no quarto ou no lavatório, sempre dentro do espaço onde permanecia fechado. A ausência prolongada de exposição solar levou a níveis insuficientes de vitamina D, registados no relatório clínico após o seu acolhimento.
Apesar das limitações motoras e cognitivas severas, o jovem, uma vez retirado do ambiente doméstico, apresentou comportamento calmo e não agressivo, contrariando a alegação da mãe de que teria "força descontrolada".
Mãe admitiu ter de o "prender"
No momento da intervenção, a arguida justificou as condições em que mantinha o filho afirmando: "Se não o prender no quarto, como posso fazer a minha vida?" mas também dirigiu ao jovem expressões agressivas e humilhantes".
Para os juízes, estas frases revelam desprezo, frustração canalizada de forma violenta e ausência de autoconsciência sobre a gravidade das suas ações.
No recurso, a arguida invocou nulidade do auto de notícia, alegou que a prova era meramente indiciária, que o tribunal desvalorizou o relatório social e que a sua situação de precariedade económica justificaria comportamentos extremos. Pedia ainda a absolvição ou a redução da pena para dois anos, com suspensão da execução e imposição de deveres ou regime de prova.
Os juízes, no entanto, consideraram a prova "coesa, sólida e corroborada" por testemunhas, fotografias, autos policiais e relatório clínico e que a arguida atuou com dolo direto, consciente e voluntariamente.
Ausência de arrependimento
O acórdão menciona a "ausência total de arrependimento", um discurso marcado pela "vitimização" e a incapacidade da mulher para reconhecer o desvalor das próprias ações.
As elevadas necessidades de prevenção geral e especial foram determinantes para manter a pena efetiva e o tribunal também sublinhou que duas das filhas da mulher foram alvo de acompanhamento pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens, reforçando o padrão de fragilidade e negligência no agregado.
A vítima foi retirado da casa e acolhido numa instituição onde permaneceu até ao seu falecimento, em 2024. Os juízes relevam que, apesar do seu quadro clínico complexo, viveu os últimos anos em ambiente seguro, higiénico e estimulado - "o oposto do confinamento degradante e do abandono vivido na residência materna".
Concluindo, os juízes relatores Alda Tomé Casimiro, Pedro Esteves de Brito e Ana Cristina Cardoso consideram a pena aplicada "justa, proporcionada e necessária", não admitindo qualquer forma de suspensão. "A mera censura do facto não se mostra suficiente para prevenir novas condutas", lê-se no acórdão.

