Três frações da Domus Social serviam para fuga dos "pontas" e para guardar dinheiro e drogas. Grupo "Pica-Pau/Picolé" funcionava por turnos e tinha escalas de esconderijos.
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Três casas camarárias desocupadas e por atribuir no Bairro da Pasteleira Nova eram usadas para o tráfico de droga por um dos principais grupos criminosos da zona Norte. Os membros da rede conhecida como "Pica-Pau/Picolé" cumpriam um turno matinal e um turno vespertino e tinham uma escala rotativa das casas de fuga para enganar a Polícia. Foi desmantelado na passada semana pela PSP, numa das maiores operações dos últimos anos.
Além das três casas, os traficantes liderados pelo "Barão da Pasteleira" pagavam a pelo menos quatro moradores para cederem as suas habitações para apoio ao negócio. Serviam para fuga dos vendedores (os "pontas") e guardar o dinheiro, a droga para venda (as "cartas") e as sobras do dia.
Segundo informações recolhidas pelo JN, a investigação acredita que a rede mudava diariamente de casas de apoio, seguindo uma escala previamente definida. O objetivo era confundir as autoridades. A gestão dos imóveis e a articulação com os moradores era feita por Vanessa Lemos, comadre do líder "Crilim", alcunha do "Barão da Pasteleira", Fábio Ribeiro. Vanessa tornou-se um elemento crucial e a número dois dos "Pica-Pau/Picolé".
Dois turnos por dia
A PSP apurou que a rede era extremamente bem organizada e sincronizada. No bairro vendia diretamente aos consumidores, mas também fornecia estupefacientes a revendedores de outras cidades do Norte e do Centro do país. A especialidade eram as drogas duras - heroína e cocaína. Esporadicamente vendia haxixe e drogas sintéticas.
Na viela onde operava, na Rua Costa Júnior, cumpriam-se dois turnos: um matinal, entre as 7 e as 15 horas, e um vespertino até às 23.45. No final do dia, um dos braços-direitos de "Crilim", levava-lhe o apuro. O negócio, iniciado pelo menos em novembro de 2021, estava a correr tão bem, que chegou a ser aberta uma nova banca.
Os grandes clientes e revendedores tinham direito a tratamento VIP. Lidavam diretamente com "Crilim" na sua casa e num dos dois bares ou na oficina automóvel que este explorava. Poucos tinham essa sorte, mesmo no interior da rede. Só os membros mais altos da organização é que privavam com o líder. Vanessa era um deles.
Antes de ser detida, na semana passada, Vanessa era responsável direta pelas grandes vendas e transportes de droga. Também era ela que geria os meios humanos e os horários da rede e a escala das casas de fuga.
Cada elemento tinha tarefas bem definidas. Os gerentes operacionais movimentavam os apuros e as grandes quantidades de droga, enquanto na retaguarda havia aqueles que processavam, doseavam e embalavam as drogas. Depois, havia "capeadores" e "pontas"; os primeiros serviam de vigias e angariadores de clientes, os segundos vendiam aos consumidores. Ambas as tarefas costumavam ser desempenhadas por toxicodependentes, pelo que se verificava uma grande rotatividade de pessoal.
Até ao ano passado, "Crilim" controlava toda a operação à distância, mas uma ação policial, em março de 2022, forçou-o a voltar ao terreno e a expor-se. A mudança viria a revelar-se crucial para a sua recente detenção.
Processo
Quatro arguidos presos e dois em domiciliária
Dos 15 arguidos detidos na passada quinta-feira, quatro ficaram em prisão preventiva. Entre eles estão "Crilim" e Vanessa. O Tribunal de Instrução Criminal do Porto decidiu colocar duas outras arguidas em prisão domiciliária. Um dos arguidos, já preso em casa à ordem de outro processo, ficou proibido de contactar os restantes. Os outros oito arguidos, além da proibição de contactos e de frequentar bairros conotados com o tráfico de droga, com exceção do bairro onde residem, ficaram sujeitos a apresentações obrigatórias.
Pormenores
Usavam app para encriptar
"Crilim" apenas falava com alguns elementos da rede e fazia-o através de uma aplicação de encriptação de comunicações adquirida para iludir a vigilância policial.
Moreira ameaça traficantes
O presidente da Câmara do Porto prometeu despejar os traficantes condenados que residam em habitações municipais. Rui Moreira frisou que "são muito poucos os moradores condenados e expulsos", "dois ou três por ano, no máximo". Segundo a empresa de habitação municipal Domus Social, há 39 potenciais situações de despejo por tráfico em avaliação. Entre 2017 e 2019, foram despejadas 11 agregados.