O Tribunal da Relação de Guimarães chumbou mais três condenações por crimes de desobediência aplicadas pelo Tribunal de Chaves a emigrantes por violação do isolamento profilático, ilegitimamente decretado em março, segundo os desembargadores, pela Autoridade de Saúde regional. Mas, ao contrário de um primeiro acórdão do mesmo tribunal sobre o mesmo caso, os desembargadores que analisaram "à posteriori" o mesmo caso dizem que o crime de desobediência patente na primeira declaração de estado de emergência não é ilegal.
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A 9 de novembro, duas desembargadoras, chamadas a analisar o recurso da condenação de um dos emigrantes detetados em Chaves a violar o isolamento decretado pela delegada de saúde adjunta do Norte a 19 de março, entenderam que o Executivo de António Costa criou um novo crime na redação do diploma 20-A/2020, o que não poderia ter feito uma vez que apenas a Assembleia da República tem competência para o fazer. Por isso, revogaram a sentença, que condenara o arguido a pagar 1800 euros de multa. As três pessoas que o acompanhavam também foram condenadas, na mesma pena, tendo recorrido, representadas pelo advogado Jerry Silva.
Medida legal, mas...
A Relação, em três acórdãos posteriores, revogou igualmente estas três sentenças, mas por motivos diferentes. Ao contrário das desembargadoras, os outros juízes entenderam que nada impede o Governo de selecionar comportamentos que "devem ou não merecer a tutela penal", lembrando que "o decreto executivo é aprovado ao abrigo de decreto presidencial e da resolução da Assembleia da República que autoriza o estado de emergência".
Os desembargadores até admitem que o arguido tenha violado a obrigação de isolamento, mas opõem-se à ideia de que tenha violado a obrigação de confinamento prevista na declaração de estado de emergência. É que, para os juízes, existe uma diferença entre as expressões "confinamento obrigatório" citado na declaração de estado de emergência e o "isolamento profilático", usado pela Autoridade de Saúde do Norte. Na declaração, o Governo diz que só devem estar sujeitos a confinamento infetados ou pessoas sob vigilância ativa das autoridades de saúde, não apenas quem viesse do estrangeiro.
A Relação explica ainda que a medida corresponde também a um tratamento desigualitário das pessoas que, provenientes do estrangeiro, chegassem a outras regiões do país que não a zona Norte. Essas medidas acabariam por ser revogadas pela diretora-geral da Saúde, Graça Freitas.
Novo decreto já prevê crime para transgressores
O decreto que ontem renovou o estado de emergência compreende uma nova tentativa do presidente da República para pôr fim aos diferentes tratamentos que Ministério Público e tribunais têm dado aos cidadãos detidos por crime de desobediência decorrente da violação do confinamento obrigatório. No novo decreto, Marcelo Rebelo de Sousa fez constar que "a violação do disposto na declaração do estado de emergência, incluindo na sua execução, faz incorrer os respetivos autores em crime de desobediência, nos termos do artigo 7º da Lei n.º 44/86". A referida lei, que regula os regimes de estado de sítio e de estado de emergência, estipula, no artigo 7.º, que a violação das disposições decididas no âmbito do decreto de declaração daqueles estados "faz incorrer os respetivos autores em crime de responsabilidade". Os anteriores decretos, aprovados em abril, referiam apenas que "nos termos da lei" incorria "em crime de desobediência" os autores de "todo e qualquer ato de resistência ativa ou passiva exclusivamente dirigido às ordens legítimas emanadas pelas autoridades públicas competentes em execução do presente estado de emergência".