Orçamento do Estado de 2017 proíbe, mas os comercializadores continuam a repercutir o custo da ocupação do subsolo aos clientes, o que o tribunal considera agora ilegal. Governo prepara clarificação.
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A cobrança da taxa municipal de ocupação do subsolo na fatura de gás natural aos clientes é ilegal. O entendimento é do Supremo Tribunal Administrativo, que, em três acórdãos de fevereiro e de março passado, considera que a norma do Orçamento do Estado (OE) para 2017 que proíbe os fornecedores do serviço de repercutirem os custos daquela taxa aos consumidores é "clara e incondicional" e, por isso, já devia estar a ser cumprida há sete anos.
A posição é partilhada pelo Ministério da Coesão Territorial, que, em resposta ao PS na Assembleia da República, sublinha que a proibição, expressa no referido OE, "é válida e eficaz, não dependendo de qualquer circunstância para passar a ser aplicável". Por isso, defende que as empresas "não podem refletir" essa taxa na fatura dos clientes. Têm de assumi-la como um custo de operação e pagar do seu bolso aos municípios que decidiram criá-la.
"Desde 1 de janeiro de 2017 que passou a ser vedado às empresas operadoras de infraestruturas refletirem as taxas municipais de ocupação de subsolo sobre os respetivos consumidores finais", argumenta o ministério, na resposta a que o JN teve acesso, garantindo que, apesar de não ser necessária para que a lei seja aplicada, avançará com uma clarificação através de proposta de lei, que já está em circuito legislativo.
O diploma visa "clarificar a existência de tal proibição e assegurar a vigência de um regime adequado à proteção dos direitos e dos interesses dos consumidores, autarquias e operadores económicos". Ao JN, o Ministério não adianta pormenores. No entanto, o JN sabe que a proposta de lei deverá definir uma métrica para o cálculo de duas taxas municipais: a de ocupação de subsolo e a de direitos de passagem, que é cobrada através das faturas de telecomunicações, também indevidamente na perspetiva do Governo.
Cobrança não é consensual
Nem todas as câmaras cobram a taxa de ocupação do subsolo, embora a maioria das autarquias das áreas metropolitanas do Porto e de Lisboa o faça. A disparidade de valores é significativa, com municípios, como o Cartaxo, a reclamar sete euros por mês (para um consumo mensal de 200 kWh) e outros a pedirem uns cêntimos.
Certo é que esta matéria está longe de ser consensual. E há duas correntes fundamentais: os operadores e a ERSE - Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, sustentados num parecer de 2018 daquela reguladora, têm argumentado que a norma do OE para 2017 só será válida quando for feita a regulamentação. A Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) discorda.
O vice-presidente Rui Santos reconhece que o Governo ficou de regulamentar a cobrança e ainda não o fez. Mas não tem dúvidas de que é indevida. "O Orçamento do Estado é suficientemente claro. Os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo vêm reforçar essa interpretação", sustenta o autarca, certo de que os comercializadores deveriam devolver os valores cobrados desde 2017.
E as decisões do Supremo Tribunal Administrativo podem abrir a porta à devolução dos montantes cobrados, mas cada consumidor terá de encetar a reclamação judicial nesse sentido. Aliás, os acórdãos de 23 de fevereiro e de 29 de março condenam uma comercializadora a devolver 47 mil e 43,8 mil euros, respetivamente, aos clientes, montantes aos quais acrescem juros de 4%.
Os juízes sustentam que o "ato de repercussão" dos custos é "ilegal" e que a norma do OE para 2017 "encerra uma proibição efetiva e imediata da repercussão", não fazendo depender essa proibição de "quaisquer regulamentações, estudos ou alterações legais". E, por isso, deveria ter produzido efeitos imediatos. Questionadas pelo JN, as principais empresas do setor não respondem.
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O que é a taxa de ocupação do solo (TOS)?
É uma taxa municipal paga aos municípios pela utilização do subsolo, que é considerado um bem de domínio público municipal. O uso do subsolo é necessário para a distribuição do gás natural. A TOS é paga pelos consumidores (famílias e empresas) na fatura mensal do gás natural.
Como é calculada a TOS?
O cálculo da TOS tem em conta a metodologia da ERSE, que engloba uma tarifa fixa (para baixa e média pressão) e uma tarifa variável, consoante o consumo de gás natural da empresa ou da família. Cada município define o montante global da TOS.
O que determina a norma do Orçamento do Estado para 2017 sobre a TOS?
No Orçamento do Estado para 2017, no ponto 3 do artigo 85.o, determina-se que "a taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores".
O que decidiu o Supremo Tribunal Administrativo em três acórdãos deste ano?
Diz que a cobrança da TOS na fatura dos clientes é clara e inconstitucional e "nada impede que os seus efeitos se produzam de imediato". A sua aplicação não depende de regulamentações, estudos ou alterações legais "nem existe norma a impor o deferimento no tempo da sua aplicação".