Pai queria ter filha de 17 anos em casa nas férias de Natal. Acórdão nega e explica que deferimento da medida iria reavivar perigo de abuso sexual.
Corpo do artigo
O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou o pedido de "habeas corpus" do pai de uma menor acolhida num lar. O progenitor queria que a jovem, de 17 anos, passasse as férias de Natal em casa e alegava que a covid-19 não o poderia impedir. Mas o apelo foi indeferido e a pandemia não teve qualquer peso na decisão.
Segundo o acórdão do STJ, o acolhimento residencial não é equiparável a uma prisão ou detenção. Além disso, os juízes lembram que aquela medida fundou-se numa "situação de perigo para a vida, integridade física, liberdade e segurança" da menor, que, "em casa dos pais", tinha sido "sujeita a situações de abuso sexual e intoxicação". O eventual deferimento da providência de habeas corpus, concluiu o STJ, "iria reavivar" aquele tipo de episódios.
No acórdão de 23 de dezembro, os conselheiros Teresa Féria, António Gama e Sénio Alves invocaram os argumentos apresentados já pelo Tribunal de Oliveira do Bairro, em 5 de novembro de 2020, para ordenar o acolhimento da menor: desde que nasceu foi sinalizada como "criança em perigo", atendendo à "debilidade cognitiva da mãe, que nem os cuidados básicos lhe conseguia prestar sozinha"; foi "alegadamente vítima de abusos sexuais, primeiro por parte dos irmãos consanguíneos e depois por parte do pai"; e estava exposta "violência doméstica entre os pais" e "a alcoolismo do pai".
Sem alternativas
"Infelizmente, a única medida capaz de salvaguardar as necessidades desta jovem e zelar pelo seu superior interesse (...) é a medida de acolhimento residencial", afirmava ainda o Tribunal de Oliveira do Bairro, em decisão agora citada pelo STJ para afastar qualquer fundamento para o habeas corpus, com ou sem pandemia.
O processo começara no início de dezembro, com o pai a pedir que a menor passasse consigo as férias de Natal. Tanto o Ministério Público como o Tribunal de Família e Menores de Oliveira de Bairro indeferiram o pedido, evocando também a necessidade de "salvaguardar a saúde e vida de todas as crianças e jovens acolhidas na instituição atendendo à atual situação pandémica".
O pai recorreu e a Relação do Porto acabaria por autorizar que a jovem passasse a véspera e o dia de Natal com a família. Antes, o progenitor já havia interposto "habeas corpus" no STJ, alegando que estava em presença de uma "detenção/prisão" sem fundamento e pedindo que a menor passasse todas as férias em casa.
Desde os oito anos
A menor está institucionalizada desde os 8 anos. "Demasiado tempo", admite o Tribunal, defendendo, porém, que "os pais nunca se constituíram como uma alternativa viável", ao longo dos anos, e "ninguém se mobilizou na família alargada para reunir condições para a acolher".
Abusos arquivados
O pai foi alvo de processo-crime, por abusos sexuais, que seria arquivado por falta de provas: a menor recusou-se a falar e os restantes meios probatórios seriam insuficientes para uma condenação. Já no processo de promoção e proteção de menor em perigo, bastam os indícios para atuar preventivamente, o que ocorreu com o seu acolhimento.