Polícia Judiciária confiscou milhões de euros a traficantes, mas cartéis cada vez mais violentos adaptaram-se a novas exigências do mercado.
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As autoridades portuguesas apreenderam, no ano passado, mais de 29 toneladas de haxixe, uma quantidade nove vezes superior à de 2019. E a apreensão de heroína quase duplicou, ultrapassando os 22 quilos. Dados da Polícia Judiciária (PJ) mostram que também foram confiscados 12,5 milhões de euros, em dinheiro vivo, a cartéis com atividade em Portugal. Mas, além de contas bancárias congeladas, os traficantes ficaram sem mais de uma centena de carros, nove barcos e até uma aeronave usados no tráfico.
Os números da realidade nacional acompanham a tendência europeia, que, em ano marcado pela covid-19, foi de aumento do tráfico de estupefacientes. A Europol alerta, aliás, para os lucros cada vez maiores das organizações criminosas internacionais, que não hesitam em recorrer a assassinos contratados e a ataques bombistas para dominar os seus territórios.
Houve nove barcos apreendidos em investigações relacionadas com o tráfico de droga. Em 2019, também foram apreendidos a traficantes uma aeronave e 106 viaturas. No ano passado, a Polícia apanhou ainda 12,5 milhões de euros em dinheiro vivo.
"Registou-se um grande aumento ao nível das quantidades apreendidas de haxixe e de heroína comparativamente a 2019", sintetiza, ao JN, a Judiciária. Dados do Sistema de Informação deste órgão policial revelam que, se em 2019 foram apreendidas 3,2 toneladas de haxixe, no ano passado esse valor chegou às 29,3 toneladas. E, enquanto a quantidade de cocaína retirada das ruas sofreu um pequeno revés (9,5 toneladas, contra 10,5 no ano anterior), a de heroína chagou aos 22 quilos, mais sete do que no ano anterior.
Estes números, refere a PJ, explicam-se por Portugal "ser destino final de vários tipos de drogas ilícitas para abastecimento do consumo interno", mas "também pelo facto do território nacional ser utilizado por organizações criminosas para introdução de quantidades significativas de cocaína e de haxixe no continente europeu".
"No que respeita a esta última vertente do tráfico, ela resulta não só da posição geográfica do nosso país, mas também do facto de possuirmos relações muito estreitas com vários países da América Latina, designadamente com o Brasil", explica a PJ, acrescentando que, ainda assim, "Portugal não é, nem de perto nem de longe, o principal ou um dos principais pontos de entrada daqueles dois tipos de droga no continente europeu".
Europa é o maior mercado
110 mil milhões de euros é o montante que alguns cartéis a operar na Europa lucram por ano. O cálculo foi realizado pela Europol, que destaca que parte deste dinheiro é usado na corrupção.
O principal órgão de polícia criminal no combate ao tráfico de estupefacientes alega que a "Europa será atualmente o maior mercado consumidor de cocaína a nível mundial". ´E é igualmente palco de "elevados índices de consumo de outras drogas ilícitas, designadamente de canábis - a droga mais consumida e traficada - e de drogas sintéticas".
As conclusões da 4.a Conferência Internacional sobre Drogas, recentemente promovida pela Europol, apontam também para o crescimento da quantidade de drogas traficada e das apreensões em todo o continente. "O número de investigações de crime organizado transfronteiriço apoiadas pela Europol aumentou entre 2018 e 2019. Esta tendência crescente continuou em 2020, apesar da pandemia da covid-19. Informações recentes indicam mudanças significativas nas tendências do tráfico relacionado com a cocaína, com a União Europeia a tornar-se o principal destino", sustenta o organismo que reúne especialistas de toda a Europa.
Assassinatos por encomenda
Com mais estupefacientes nas ruas, a Europol também registou mais "ataques violentos associados ao crime organizado e, em particular, ao tráfico de droga, nos últimos meses". "Assassinatos por encomenda, tiroteios, bombardeamentos e esfaqueamentos são utilizados pelos traficantes de droga para intimidar associados, afastar concorrentes e ameaçar autoridades e o população", relatou recentemente a Polícia europeia.
Em Portugal, a PJ também registou "um aumento das condutas violentas associadas ou conexas com o tráfico de drogas". Contudo, garante que estes casos estão "muito longe da dimensão e grau de violência registados noutros países europeus". Até porque, em território nacional, não se produzem drogas ilícitas, à exceção da canábis, cultivada em "plantações reduzidas e para consumo interno", reporta a Judiciária.
Pormenores
Barco substitui avião
O tráfico de droga por via aérea praticamente acabou desde que as viagens de avião foram suspensas, devido à pandemia. Esta quebra foi compensada pelo aumento do tráfico por via marítima. Segundo a PJ, as organizações criminosas adaptaram-se rapidamente.
Pureza elevada
Os exames efetuados pelo Laboratório de Polícia Científica da PJ "apontam claramente para uma maior pureza/potência" das drogas apreendidas.
Tráfico e corrupção
Para a Europol, a "indústria do tráfico de droga" está profundamente dependente da corrupção.