Cerca de duas semanas depois da Revolução dos Cravos, foi em jeito de ato de contrição por anos de informação controlada pela censura que o "Jornal de Notícias" contou, a 8 de maio de 1974, que as três autoras e o editor do livro "Novas cartas portuguesas" tinham sido absolvidas, na véspera, no desfecho do julgamento que decorrera em Lisboa, ainda em ditadura, por abuso da liberdade de imprensa.
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"Por qualquer motivo talvez até não muito perceptível, o regime deposto passou a certa altura a proibir sistematicamente qualquer referência a este julgamento. Daí darmos agora apenas a sentença de um caso que anteriormente não recebera a publicidade devida", lê-se, numa pequena notícia na secção Lisboa, na qual não foi referido o crime imputado às "escritoras sr.as D. Maria Teresa Horta, D. Maria Isabel Barreno e D. Maria Velho da Costa" e ao "editor sr. Romeu de Melo".
O caso, que ficaria conhecido na História como "Três Marias", correra no Juízo Criminal da Boa Hora e a audiência de leitura da sentença fora presidida pelo "sr. juiz dr. Acácio Lopes Cardoso".
"Ao longo da apreciação do julgamento depuseram trinta testemunhas de defesa, oito de cada uma das escritoras e seis do editor. O tribunal julgou a acusação improcedente e não provada tendo absolvido as escritoras e o editor", resumia o artigo, igualmente sem menção ao escândalo que a obra, que exprimira o erotismo como forma de libertação da mulher, causara na sociedade portuguesa.
"Problemas de ordem moral"
Ainda assim, a ocasião não foi a única em que o processo foi noticiado no JN, ainda que sempre com bastantes detalhes omissos, incluindo o conteúdo abordado no livro, no qual as autoras reescreveram as cartas datadas do século XVII da freira Mariana Alcoforado. A 26 de outubro de 1973, dia seguinte ao início do julgamento, fora dada nota da primeira sessão do julgamento, "em audiência privada", por "abuso da liberdade de imprensa".
"A obra retirada do mercado contém - segundo a acusação pública - matéria que levanta problemas de ordem moral", indicava apenas o artigo. A sessão estivera inicialmente agendada para 4 de julho de 1973, mas fora adiada "por motivo de enfermidade de uma das arguidas", sempre "senhoras donas identificadas com o nome completo, a idade - entre os 32 e os 35 anos -, o estado civil - todas casadas -, a profissão e o local de trabalho de duas das autoras, o Instituto de Investigação Industrial. Romeu Correia de Carvalho e Melo, o quarto arguido, era casado, economista e representava a casa editora do livro.